viso s.m. 1 modo de apresentar-se, aparência, aspecto, fisionomia 2 sinal ou resquício que deixa entrever algo; vestígio, vislumbre 3 recordação vaga; reminiscência 4 modo de ver, opinião, parecer 5 o cume de uma elevação, monte ou montanha 6 pequena colina, monte, outeiro 7 obsl. o órgão da visão, a vista. ETIM lat. visum ‘visão, imagem, espetáculo’.
Costuma-se acusar a produção acadêmica de ser descolada da realidade. Se essa afirmação procede ou não, é uma questão controversa; no caso das ciências humanas, e sobretudo da filosofia, parece contudo inegável que os muros da universidade vêm se tornando cada vez mais altos nos últimos anos. A recente proliferação de “casas do saber”, em que professores universitários se esforçam por transmitir seus conhecimentos para um público leigo sem as amarras da especialização científica, é o mais novo sintoma da distância e da desconfiança que marcam atualmente as relações entre a sociedade e as instituições tradicionais de ensino.
Ainda que em certo sentido louvável, o problema de tais iniciativas privadas, que visam a suprimir essa distância e a minar essa desconfiança, é ideológico. Ao converterem o conhecimento acadêmico em mercadoria sofisticada, crêem aproximá-lo do grande público, quando na verdade só o fazem para aqueles que podem pagar caro, erigirindo assim um muro ainda mais alto do que pretendiam originalmente transpor. Outras medidas parecem necessárias, portanto, se o objetivo é fazer circular pela sociedade de modo mais dinâmico o que é produzido nas universidades.
Viso · Cadernos de estética aplicada pretende contribuir para este propósito adotando uma estratégia diferente. Trata-se de uma publicação virtual semestral que tenciona incentivar uma participação mais direta de pesquisadores ligados à área de estética no debate público sobre a arte. Esse debate tem oscilado entre a superficialidade das resenhas publicadas nos meios de comunicação de massa e o rigor acadêmico das publicações especializadas, em que o foco é antes a discussão de pensadores do que a consideração das próprias obras de arte. Entre a crítica voltada para o mercado, empobrecida devido ao exíguo espaço concedido ao exercício da reflexão na grande imprensa, e a crítica voltada para a universidade, debilitada pela exigência de uma especialização excessiva que distancia a reflexão estética dos objetos cuja fruição ela deveria fomentar, a Revista Viso propõe-se a desenvolver uma outra crítica que, partindo de conceitos relacionados ao pensamento de um filósofo da tradição, “aplique” esse pensamento a fenômenos estéticos concretos.
A única exigência feita por estes Cadernos de estética aplicada a seus colaboradores é, portanto, a de que submetam para publicação textos que tematizem objetos estéticos concretos à luz de um ou mais pensadores da tradição filosófica. A noção de “aplicação” de uma estética a uma obra de arte deve aqui permanecer deliberadamente vaga, de modo a permitir que cada autor e cada leitor da revista reflitam sobre as múltiplas e intrincadas relações entre a arte e a filosofia; e sobre o modo como a filosofia pode servir à arte e a arte à filosofia sem que ambas comprometam a especificidade que lhes caracteriza.
Além dessa seção principal, que recebe artigos em fluxo contínuo, a Revista Viso é composta por três seções fixas, com textos selecionados diretamente pelos editores. Cada uma delas terá por objetivo complementar ou, conforme o caso, radicalizar a idéia de estética aplicada que constitui o perfil editorial desta publicação.
Para a seção de História da estética, organizada cronologicamente, os editores convidam a cada número dois pesquisadores que se dedicam ao pensamento estético de um determinado filósofo da tradição. Com isto, pretende-se estabelecer um debate entre duas perspectivas interpretativas distintas, o qual por si só deve iluminar os aspectos mais controversos e mais atuais das estéticas tradicionais – ou “puras”, caso se queira frisar o aparente contraste com relação à proposta da revista.
Reconhecendo que, como disciplina filosófica em sentido próprio, a estética tem uma origem relativamente recente, os editores optaram por fazer recuar a seção História da estética até a reflexão platônica sobre as relações entre filosofia e poesia, com vistas a tornar evidentes, a partir dela e de seus herdeiros mais imediatos, as condições que permitiram o surgimento da assim chamada “estética moderna”. Uma vez que a idéia de uma estética aplicada é insustentável sem o arcabouço das estéticas tradicionais, essa seção pretende dar conta da fundamentação teórica necessária à construção de uma crítica de arte ao mesmo tempo rigorosa e próxima da concretude das obras de arte do passado e do presente.
Com vistas a incentivar a construção de paralelos fecundos entre a história da estética e a crítica de arte mais contemporânea – e, deste modo, fazer balançar o poder desproporcional que detém os opinadores de jornal na formação de consensos a respeito dos objetos estéticos – a seção Atualidades publica artigos que tratem de manifestações artísticas atuais. Peça, livro ou filme, performance, exposição ou instalação, a proposta é provocar um autor normalmente acostumado a produzir textos sobre pensadores ou obras que já possuem extenso aparato crítico a escrever no calor da hora, do acontecimento. A intenção não é outra senão a de restaurar o poder vivificador da verdadeira crítica de arte, hoje praticamente sem espaço nos meios de comunicação de massa.
Finalmente, a seção Polêmica publica um ensaio em que a posição do autor, segundo avaliação dos editores, ou bem contraria a recepção pública majoritária de uma determinada obra de arte, ou bem ilumina um aspecto da discussão filosófica sobre o problema da interpretação que põe em relevo os fundamentos da Revista Viso – que não é em si mesmo polêmica, mas tampouco tem o “tédio à controvérsia” daquele célebre personagem da literatura.
Apresentadas as linhas mestras deste periódico, torna-se compreensível a escolha de um termo que caiu em desuso para batizá-lo. O caráter obsoleto da palavra “viso” é análogo ao ostracismo a que a verdadeira crítica de arte foi condenada na grande imprensa, o qual a Revista Viso se propõe a combater. Além disso, sua riqueza semântica, evidente na definição de Antônio Houaiss que encabeça esta seção, articula-se de muitas maneiras com estes Cadernos de estética aplicada.
Seria tentador utilizar o espaço livre de um perfil editorial para apregoar as múltiplas relações possíveis entre a crítica de arte, a memória, os vestígios da filosofia na arte e os rastros da arte na filosofia suscitadas por esse pequeno substantivo. Esperamos, entretanto, que elas sejam antes mobilizadas no leitor pelos artigos que integram esta revista. É isto, afinal, o melhor que podem esperar os editores de qualquer publicação.