Viso: Cadernos de estética aplicada
v. 2, n° 5 (jul-dec/2008)

Como nossos leitores habituais certamente terão percebido, a preparação deste quinto número da Revista Viso foi cheia de percalços, que respondem pelos quase seis meses de atraso em sua publicação. A maior parte dos problemas que enfrentamos durante este período foram decorrentes da necessidade de obter os direitos de tradução para textos publicados originalmente em outros idiomas que pudessem se adequar aos objetivos da seção de História da Estética.

Por esta razão, decidimos que, ao contrário do que havíamos planejado inicialmente, essa seção não aparecerá mais em todos os números destes Cadernos de Estética Aplicada. Como seção efetivamente extraordinária que é, na medida em que demanda um trabalho nem sempre possível de realizar nos quatro meses que separam cada número da revista, nossa História da Estética passará a ser publicada extraordinariamente, sem que com isso abandonemos a promessa de apresentar aos nossos leitores, em ordem cronológica, os principais autores que marcaram essa história.

A despeito dessa ausência, o número 5 da Revista Viso contém mais uma vez as três outras seções especiais que vêm marcando a trajetória desta publicação: Atualidades, Polêmica e Resenhas.

Na seção Atualidades, Pedro Duarte de Andrade apresenta-nos as suas impressões sobre o show de João Gilberto no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, realizado no dia 24 de agosto de 2008. Em um texto escrito no calor da hora, o autor vai muito além do mero relato jornalístico. O comentário das músicas cantadas e da postura do público diante de um artista que, como poucos, soube preservar sua aura, serve como ponto de partida para uma autêntica crítica, em sentido romântico, do alcance da Bossa Nova. O autor a situa na história da música popular brasileira e a aproxima das influências internacionais das quais ela se alimentou, como por exemplo o cool jazz, fornecendo preciosos subsídios para compreendermos por que, “melhor do que o silêncio, só João”.

Na seção Polêmica, Patrick Pessoa discute uma série de questões essencialmente polêmicas: o que é a arte contemporânea? Como é possível reconhecer as manifestações artísticas contemporâneas? Até que ponto é possível forjar um conceito de arte contemporânea? A simples formulação dessas questões não implicaria já uma traição a um certo consenso no mundo da arte, que, remontando à estética de Hegel, afirma “o fim da história da arte”? Em “A morte da beleza (em Veneza): A dialética do esclarecimento segundo Pasolini e Visconti”, o autor realiza uma colagem de questões as mais díspares que, exatamente por preservarem a sua heterogeneidade e não se deixarem reduzir a um único princípio, permanecem fiéis à forma do objeto analisado.

Na seção Resenhas, por sua vez, André Duarte comenta A história invade a cena, coletânea de artigos recém-publicada cujo fio condutor é a discussão das multifacetadas relações entre a História e o Teatro. Por explicitar os problemas enfrentados por todo aquele que tenta construir uma ponte entre determinadas obras teatrais e o seu contexto histórico, trata-se de um livro que guarda notáveis afinidades com muitas das questões em torno das quais gravitam os colaboradores destes Cadernos de Estética Aplicada.

Além dos textos que compõem essas três seções especiais, a seção fixa da revista, que recebe em fluxo contínuo artigos de estética aplicada, traz quatro ensaios bastante heterogêneos quanto ao tema e ao método de abordagem.

Em ensaio intitulado “Espiritualidade mundana: O trabalho como construção do real”, a historiadora da arte Renata Camargo Sá analisa as Prop Pieces, de Richard Serra. A autora propõe uma interpretação da obra deste artista que o situa como herdeiro do pintor setecentista holandês Johannes Vermeer, um dos primeiros a abraçar uma concepção da arte como fazer mundano, em detrimento de suas concepções mais espiritualistas ou auráticas. O argumento da autora é reforçado por uma discussão da categoria “trabalho” na célebre obra de Max Weber sobre o protestantismo e também por uma abordagem dialética que estabelece uma tensão entre espiritualidade e mundanidade, ostensiva no título do artigo.

Fernando Rodrigues, em sua análise da peça A tempestade, de William Shakespeare, critica as leituras pós-colonialistas que reduzem a última peça do bardo inglês a um conflito entre colonizador (Próspero) e colonizado (Calibã) ou mesmo a uma apologia da exploração colonialista. O autor salienta que o contexto mais adequado a uma compreensão de A tempestade não é o da discussão sobre a expansão colonial, em marcha à época de Shakespeare, mas sim o contexto das questões dinásticas, que interessariam muito mais diretamente os espectadores do Globe Theater.

Em seu ensaio, Tomás Prado propõe-se a analisar um dos textos menos estudados de Graciliano Ramos, Alexandre e outros heróis, à luz de um dos mais importantes discursos de Nietzsche em Assim falou Zaratustra, “Do imaculado conhecimento”. Tomando Alexandre, o grande “contador de causos”, como modelo de narrador, o autor defende a supremacia da “visão maculada” sobre as pretensões de pureza e imparcialidade da metafísica e da ciência.

Finalmente, em ensaio especialmente luminoso que toma o filme Inteligência artificial, de Steven Spielberg, como ponto de partida, Douglas Garcia Alves Júnior propõe-se a discutir duas teses: (1) A relação ética de confiança, cuidado e amor é construída à base de uma cadeia opaca de significantes, irredutível a qualquer configuração cultural. O que torna possível o amor é o aspecto material das palavras, o seu poder mimético, gestual e discernível do significado lingüístico; e (2) Toda atitude ética de rejeição da crueldade é motivada por uma relação estética de proximidade e identificação com a criatura que sofre, isto é, por uma experiência mimética, e não por raciocínios a partir de princípios abstratos. Como o autor se esforça por mostrar, enquanto o pragmatismo de Richard Rorty nos permite fundamentar apenas a segunda tese, o pensamento de Theodor Adorno abarcaria ambas.

Ainda que com atraso, esperamos que os leitores aproveitem este novo número da Revista Viso. Estamos trabalhando com o firme propósito de recolocar em dia nosso cronograma de publicações e pretendemos muito breve lançar também o número 6.

A imagem da capa desta edição mostra o grupo de cantores que invade o Hotel des Bains no filme Morte em Veneza [Morte a Venezia], de Luchino Visconti.