As flores do mal (1857) correspondem ao monumento, por excelência, do ambivalente gênio baudelairiano. Escritos ao longo de vinte e sete anos, os 166 poemas reunidos nesta compilação antológica expressam, segundo Benjamin, o canto de cisne do último grande lírico no auge do capitalismo. Confirmando sua irredutível extemporaneidade, seis de suas “flores doentias” foram sumariamente censuradas pelo tribunal correcional de Paris, sob a alegação de atentar contra a moral e os bons costumes. A posteriori, foram incorporadas ao livro, sob a rubrica “Poemas condenados”, na seção “Marginália”, na qual “Lesbos” e “Mulheres Malditas” figuram em posição de destaque – de certo modo, justificando o outro título cogitado para As flores do mal: “As Lésbicas”. Em todo caso, postado na encruzilhada maldita entre o spleen e o Ideal, a natureza e a história, Baudelaire dá voz aos avatares apócrifos de uma modernidade decadente redimida pela sensibilidade de uma antiguidade heroica. Não por acaso, algumas de suas mais eloquentes invocações performativas encarnam-se em corpos femininos não-normativos, voluptuosamente animados pelo páthos da negatividade: os das lesbianas. Personagens como Safo, Delfina e Hipólita, por exemplo, vêm a protagonizar um enquadramento teórico essencialmente antiplatônico, no qual as múltiplas figuras do antinatural, do anormal e do abjeto são revistas e transvaloradas à luz de uma perspectiva que talvez pudéssemos chamar de “queer” avant la lettre. Trata-se, aqui, de submeter as sublimes composições baudelairianas ao crivo de uma certa genealogia do gênero informada por autoras contemporâneas como Monique Wittig, Judith Butler e Paul Beatriz Preciado.
The Flowers of Evil (1857) are the monument, par excellence, of the ambivalent Baudelairean genius. Written over twenty-seven years, the 166 poems collected in this anthological compilation express, according to Benjamin, the swan song of the last great lyric at the era of high capitalism. Confirming his irreducible extemporaneity, six of his “sick flowers” were summarily censored by the Paris Correctional Court, on the grounds that it was against moral principles. A posteriori, were incorporated into the book, under “condemned Poems” in the “Marginalia” section, where “Lesbos” and “Damned Women” appear in a prominent position – in a way, justifying the other title considered for The Flowers of Evil: “The Lesbians”. In any case, posted on the damned crossroads between the spleen and the Ideal, nature and history, Baudelaire gives voice to the apocryphal avatars of a decadent modernity redeemed by the sensitivity of a heroic antiquity. Not by chance, some of his most eloquent invocations are embodied in non-normative female bodies, voluptuously animated by the pathos of negativity: that of lesbians. Characters like Sappho, Delfina and Hippolyta, for example, appear in an essentially anti-Platonic theoretical framework in which multiple figures of the unnatural, of the abnormal and of the abject are reviewed and transvalued in the light of a perspective that we might call “queer” avant la lettre. In order to do so, the sublime Baudelairean compositions will be reframed and illuminated by a certain genealogy of the genre informed by contemporary authors like Monique Wittig, Judith Butler and Paul Beatriz Preciado.