Dos afetos do silêncio
Gustavo Rodrigues Penha

Primeiro eu não escutava nada, em seguida escutava a voz mas pouco, de tão fraca que ela me chegava. Eu não a escutava, e então a escutava, eu tive então que começar a escutá-la num certo momento e no entanto não, não teve começo, de tanto que ela tinha suavemente saído do silêncio e tanto que ela se lhe assemelhava.1

Dentre os incontáveis e notáveis afetos inventados e inaugurados pelas músicas dos séculos XX e XXI, aqueles que se avizinham e jogam com o silêncio destacam-se por sua ampla e consistente exploração em variadas práticas musicais e poéticas de diferentes compositores e instrumentistas. Não que o silêncio não tenha sido um importante material musical em séculos passados, compreendido como uma pausa possível de um discurso musical, possuindo inclusive um símbolo gráfico próprio à sua notação, variável de acordo com o valor extensivo de sua duração. Entretanto, foi efetivamente a partir do século XX que o silêncio ganhou maior potencial expressivo, ao produzir novos sentidos que lhe permitem atuações e desdobramentos desconhecidos até então.

Tradicionalmente o silêncio na música ocidental é percebido por suas funções específicas na organização dos materiais musicais. John Cage distingue três modos funcionais que demostram como o silêncio opera em diferentes níveis.2 No nível da instrumentação, orquestração e arranjo, a alternância entre grupos sonoros ou instrumentais distintos é constantemente melhor realizada por artifícios do silêncio, em que enquanto um grupo toca o outro permanece em silêncio, e quando este soa, aquele silencia. Trata-se de um sistema binário simples de 0 e 1, de ligar um e desligar o outro e, inversamente, que possui uma singular potência de efeito técnico num trabalho de arranjo e orquestração. Outro uso tradicional do silêncio consiste em proporcionar pausas ou pontuações expressivas a um determinado discurso musical, por exemplo, por respirações nas construções de frases ou por breves pausas que podem possibilitar o singular suingue de uma dança. E por fim, Cage ainda aponta para o silêncio enquanto marcador formal, em que seu súbito ou gradual aparecimento ou desaparecimento evidencia importantes pontos ou definições do plano formal do qual participa, seja de formas preestabelecidas ou em desenvolvimentos mais orgânicos.3

Em ressonância com Cage, José Augusto Mannis (2009) faz uma síntese bastante clara acerca da função tradicional do silêncio nas construções de discursos musicais:

O silêncio e o vazio são elementos não somente atuantes e determinantes da inteligibilidade, mas abrangem, ainda, em diversos níveis, os domínios semântico e estrutural, desde a constituição de uma linguagem, até a elaboração de um discurso. São elementos de expressão e linguagem que mais possuem funções e significados e são de suma importância na articulação dos discursos em qualquer meio e suporte. O silêncio e o vazio, e seus decorrentes – pausa, interrupção, erupção ou extinção abrupta ou suave, separação – são a base na linguagem escrita e falada para a pontuação, integrando assim a gramática, bem como em muitas outras linguagens em diversos meios e suportes, determinantes da inteligibilidade do que está sendo comunicado.

Em seu próprio trabalho composicional, para criar uma nova concepção do silêncio em música, John Cage procura romper com os hábitos e usos tradicionais do silêncio. Cage não se interessa pela funcionalidade do silêncio como contribuição secundária à organização de tal ou qual nível ou plano composicional. O que efetivamente interessa a Cage é conhecer o silêncio por dentro, como é habitado, transformado e variado. O que Cage busca, ao criar uma nova concepção de silêncio, é emancipá-lo de sua funcionalidade e subordinação ao discurso e à narratividade e povoá-lo de sons e silêncios, ambientes e cotidianos não compreendidos tradicionalmente como musicais. Cage atenta, assim, à abertura e à povoação indeterminada, imprevisível e variável do silêncio por sons e silêncios mais ou menos organizados ritmicamente. Trata-se de um silêncio novo, que abre a escuta ao desconhecido e ao imperceptível, e que só acontece efetivamente quando deixa de assumir uma função comparativo-relacional, fraseológica ou formal no discurso musical4, para se tornar uma exploração do imprevisível. Cage possibilita que o silêncio musical seja habitado de uma nova maneira, e a escuta aberta e afetada por tal abordagem composicional. É mais ou menos o que o compositor afirma quando diz:

Quando escuto o que denominamos música, parece para mim que alguém está falando, e falando de seus sentimentos ou de suas ideias de relações. Mas quando escuto o tráfego – o som do tráfego, aqui na 6ª Avenida, por exemplo – eu não tenho a sensação de que alguém está falando, eu sinto que som é ação, e eu amo a atividade do som. O que ele faz é ficar mais forte ou mais fraco, mais agudo ou mais grave, mais longo ou mais curto. Faz todas essas coisas com as quais estou completamente satisfeito. Não preciso de sons a falar comigo. […] A experiência sonora que prefiro dentre todas as outras é a experiência do silêncio. E o silêncio, quase em todos os lugares do mundo hoje, é tráfego. Se você escuta Beethoven ou Mozart, você percebe que são sempre os mesmos, mas quando você escuta o tráfego, você percebe que é sempre diferente.5

É, portanto, a imprevisibilidade e a variabilidade dos fluxos sonoros ambientes que mais interessa a Cage em sua proposta de abrir os ouvidos à povoação sonora do silêncio. O que importa são os sons do aqui e agora. “A música contemporânea não é nem aquela do futuro, nem a do passado, mas somente a que está presente nesse instante preciso”.6 Cage pensa, assim, nos sons de passos num galpão de hotel, de um fluxo de automóveis, das inflexões e variações sonoras de uma conversação, dos sons e massas sonoras produzidos por pequenos insetos, das sonoridades as mais imperceptíveis que habitam o silêncio. O que interessa a Cage é a vida que, por processos dinâmicos, produz imponderáveis movimentos nos objetos sonoros cotidianos nos planos das alturas, da espessura espectral, das durações e das dinâmicas. Evocando Thoreau7, Cage diz: “os sons são bolhas na superfície do silêncio. Elas estouram. A questão é saber quantas bolhas existem sobre o silêncio”.8 Nesse contexto, Cage compôs suas peças silenciosas, como 4:33” e 0’00”, ou idealizou obras em que personagens jogam jogos como xadrez ou bridge, transformando-os em música por meio da amplificação sonora. Trata-se de compor uma obra a partir de uma paisagem sonora já percebida como obra, ou seja, compor uma obra sobre uma obra. “E quando digo que ela [a obra] é essencialmente silenciosa, é porque ela permite que o silêncio de uma partida de xadrez apareça tal como ele é: um silêncio cheio de ruídos”.9

* * *

A poética de Anton Webern também muito marcou a música do século XX por sua singular maneira de conceber o silêncio. Entretanto, o silêncio em Webern possui ainda certa submissão ao discurso musical, na medida em que funciona numa relação figura-fundo, ao atuar como plano sobre o qual os sons se desenrolam, se conectam e ganham vida. Ele atua como plano de fundo, conectando e diferenciando elementos sonoros díspares e heterogêneos. Pousseur o considera como condição para o nascimento dos sons, como lacuna primordial, que possibilita o desenrolar dos sons.10 Já Boulez aponta para os processos simultâneos de autonomização e interdependência dos elementos sonoros que, em Webern, são intensificados quando os sons são isolados e circundados por silêncio.11 Silêncio como fundo e som como figura constituem, portanto, os componentes de uma fecunda tensão composicional, marcada pela emancipação do silêncio, a material musical em Webern. Mas, além desses elementos, há também outro importante traço da inventividade de Webern com relação ao silêncio, que foi trazê-lo ao grau zero da própria elaboração composicional, compreendendo-o enquanto pausa de duração variável e controlável, que participa ativamente de processos de estruturação rítmica, ajudando clarificá-los.12 Com Webern, não se inicia uma composição a partir de uma escala, um tema, um motivo, uma figura rítmica, mas sim pela organização sistemática de diferentes planos que relacionam sons e silêncio. Visto desta maneira, o próprio silêncio pode ser serializado e parametrizado, ou seja, tratado como material musical autônomo. Assim, todo o processo de formação e individuação dos materiais (série, motivos, combinações instrumentais) e das operações composicionais (espelhamentos, cânones) é construído sobre um fundo de silêncio, mensurado conforme sua participação numa estruturação rítmica em que é compreendido como pausa de valor variável.

Um exemplo da atenção weberniana à pausa no processo de organização rítmica pode ser visto no segundo movimento das Variações, Op. 27, para piano solo. A peça se desenrola em um fluxo contínuo de ataques e pausas que têm como subdivisão comum o valor de colcheias. Webern então estabelece uma organização do plano rítmico em relação direta com cinco diferentes tipos de articulação ao piano. É verdade que o parâmetro articulação também depende da dinâmica e do registro para bem se caracterizar, mas como tipos de articulação compreende-se, aqui nesta breve análise, os símbolos gráficos tradicionais de staccato, legato, acento (em acordes de três notas), tenuto e apojaturas, associados a gestos físicos-instrumentais e envelopes dinâmicos distintos. Assim, Webern cria como que um algoritmo para utilização das pausas para cada uma das cinco articulações utilizadas: todo grupo de notas em staccato é seguido de uma pausa de colcheia, com exceção do compasso 12, onde é seguido por outro grupo em staccato; as apojaturas são seguidas, respectivamente, por uma pausa de semínima (cf. c. 3, Fig. 1), uma pausa de colcheia (compassos 6 e 8, Fig. 1) e uma pausa de mínima (compasso 22, Fig. 1); os acordes acentuados de três notas são sempre seguidos por uma pausa de colcheia na parte A (até o compasso 11, Fig. 1) e pela ausência de tal pausa na parte B (a partir do compasso 12, Fig. 1); os grupos em legato são seguidos, respectivamente, por pausas de colcheia (compassos 1 e 4, Fig. 1), ausência de pausas (compassos 5 e 10, Fig. 1), pausas de colcheia (compasso 12 e 15, Fig. 1), ausência de pausa (compasso 16), pausa de colcheia (compasso 20, Fig. 1) e barra dupla final (compasso 22, Fig. 1); por fim, o grupo de notas em tenuto é seguido por uma ausência de articulação equivalente a uma colcheia, que não produz um silêncio efetivo devido à segunda nota do grupo se prolongar por sobre a duração de uma colcheia em que não há articulação de um novo som, resultando numa sensação de pausa causada mais pela ausência de uma nova articulação sonora do que pela presença de um silêncio de fato (conforme compassos 2, 7 e 14, Fig. 1).

O silêncio em Webern, como plano de fundo sobre o qual atuam os sons e como componente de estruturas rítmicas, é, portanto, um fator determinante para que se estabeleçam, na escuta, relações e ligações entre os elementos disparates. Silvio Ferraz trata dessa função do silêncio ao apontar para a questão da dramaticidade da pressão sonora – ou curva de número de eventos sonoros que atuam como focos de atenção na escuta – com o silêncio atuando como conector de elementos díspares, em uma concepção inversa à visão tradicional, que valoriza a coerência garantida por elementos unificadores baseados na identidade e semelhança.13 Trata-se, portanto, de um novo modo de conceber as conexões sintático-musicais mais elementares, que se produz numa escuta que parece adquirir um caráter mais vivo e potencializador das diferenças e da heterogeneidade, em contraste com uma visão histórica e socialmente codificada, que predetermina conexões e relações dos elementos por familiaridade e analogia.


Fig. 1: Segundo movimento das Variações, Op. 27, para piano solo, de Anton Webern. WEBERN, 1937.

Brian Ferneyhough, ao abordar a concepção do silêncio maquínico e maquinado em Webern, diz que o mais interessante não é o fato de Webern ter sido um pioneiro no uso de uma valorização igualitária dos sons e dos silêncios, mas sim a compreensão de que o silêncio contém determinados graus de informação14 que se relacionam aos múltiplos planos de organização serial e de consistência espaço-temporal presentes em suas composições. Por informação, Ferneyhough compreende as variáveis que caracterizam os diferentes planos que constituem o sistema, ou o plano da composição metaestável de Webern. São, portanto, as informações paramétricas das disposições sequenciais das notas autonomizadas, dos valores das durações, dos envelopes dinâmicos, dos diferentes transientes de ataque e finalização, dos modos de vibração e ressonância do corpo sonoro, do conteúdo espectral, das qualidades dos materiais envolvidos, da disposição formal dos materiais, das simetrias visuais, etc. As peças são estruturadas por variações graduais nos diferentes planos, em que os trechos mais silenciosos ou mais próximos ao silêncio apresentam, ao menos do ponto de vista do plano da amplitude (medida em Hertz), um nível reduzido ou um baixo grau de informação. As séries e planos constituem múltiplos planos composicionais sobrepostos e coexistentes, que põem em tensão constante os diferentes fluxos de informações ou de energia mais ou menos contrastantes ou complementares entre si. Assim, segundo Ferneyhough, o silêncio em Webern não é somente interessante por ter igualado seu valor com o dos sons, mas antes por se caracterizar com o grau mais baixo de amplitude sonora. O silêncio, assim, se relaciona com o som como o repouso com o movimento15 ou a sombra com a luz16, ou seja, não como ausência ou negação de som, mas enquanto um grau baixíssimo de amplitude sonora, aproximando-se ao infinitamente pequeno. Trata-se, portanto, de conceber a polaridade silêncio-som não como uma dualidade dura, mas antes como um vetor operando em um continuum com diferentes graus de quantidades intensivas. O silêncio, desse modo, se caracteriza como um determinado modo de fluxo de informações, de baixíssimo grau de amplitude na produção sonora, que atua em escalas tanto micro quanto macro no processo de formação ou individuação de uma peça musical. E às mudanças ou passagens de um grau a outro, ou seja, aos aumentos ou às diminuições de potências implicados na escuta de sons mais ou menos silenciosos ou ruidosos, correspondem os afetos.

* * *

Aprende do rolar dos rios,
dos regatos monteses, da queda das cascatas:
tagarelante, ondeia o seu caudal –
só o oceano é silêncio.17

Salvatore Sciarrino é também um compositor que tem o silêncio como um dos pontos marcantes na construção de sua poética musical, lhe sendo particularmente cara a imagem de um som que surge gradualmente do silêncio, vive, mais ou menos brevemente, e ao silêncio retorna. É uma figura musical que dá a sensação de periodicidade do tipo de uma respiração, silêncio-som-silêncio, som-silêncio, som, silêncio, e assim por diante, em um fluxo sonoro contínuo em que microvariações timbrísticas são reveladas a cada reiteração. Trata-se de uma imagem sonora que chega mesmo a marcar grande parte da produção de Sciarrino e permeia sua escrita para diferentes famílias de instrumentos, com o compositor chegando a criar um símbolo gráfico específico para sua notação (Fig. 2), que acabou se tornando quase um padrão de escrita para tal movimento dinâmico. Entretanto, o compositor não se interessa apenas pela periodicidade típica de respiração que tal figura musical dinâmica produz, mas foca na zona de indiscernibilidade que se estabelece entre o som e o silêncio, uma região onde a tênue distinção entre presença e ausência de som permite a emergência de uma rica paleta de qualidades sensíveis microscópicas ou microssonoras que atuam em um campo limiar entre o perceptível e o imperceptível. É como diz o compositor ao descrever e comentar essa singular experiência de escuta de um som que nasce e desaparece no silêncio:

Primeiro a quietude. Depois o som, como respiração do silêncio. [...] Habituar o ouvido ao imperceptível [...] Quando escutamos, notamos um tempo de hesitação: algo acontece, mas o quê? Há som ou ainda não? A transfiguração sonora do indistinto gera a mais inquietante das magias: não saber mais distinguir entre presença e ausência.18

Tornar sonoro o indistinto, levando o ouvinte a perder a capacidade de distinção entre presença e ausência de som. É essa a ideia que Sciarrino busca trabalhar ao explorar, com sua característica figura (Fig. 2) de crescèndo dal niente seguido de decrescèndo al niente, os limiares perceptíveis próximos ao silêncio, no próprio silêncio ou em zonas de indiscernibilidade, molecularmente povoadas e vivas, entre sons e o silêncio. “Onde começa o som e onde termina o silêncio?”19 é uma questão central que orienta grande parte do trabalho criativo de Sciarrino. Trata-se de um som-organismo vivo, que nasce do silêncio, vive e desaparece no silêncio. Um organismo que se desdobra em três momentos principais de existência: silêncio-som-silêncio. Mas entre esses três momentos, mais precisamente nas ligações e separações dos sons e silêncios entre si, existe uma região composta por sons transientes, microeventos imperceptíveis, caóticos e aperiódicos, silêncios intensivos, formando uma caosmose na qual uma fértil instabilidade é estabelecida como princípio composicional por Sciarrino.20


Fig. 2: Figura característica de Sciarrino para indicar crescèndo dal niente seguido de um decrescèndo al niente.

Essa ideia em Sciarrino, de tornar sonoro o indistinto, nos aproxima do problema explicitado por Deleuze, que o considera como um dos principais desafios do pensamento musical, que é o de “tornar audíveis forças não-audíveis por si mesmas”.21 Se a música do século XX, já desde Schoenberg e Debussy, torna sonora forças como a Intensidade e a Duração22, ela também tem a potência de dar corpo a forças como o Indistinto, o Acaso, o Imperceptível, o Fundo, entre tantas outras, muitas das quais inomináveis. No caso de Sciarrino, o que lhe interessa, ao corporificar sonoramente o indistinto, são as qualidades do misterioso, do obscuro, do incerto, que implicam a instabilidade tornada princípio composicional em sua poética. Ao conferir consistência a longas passagens e paisagens sonoras silenciosas, forçando a escrita a explorar o limite que separa o som do silêncio23, Sciarrino por vezes contribui para nos aproximarmos de um modo de escuta que nos coloca como que em estado de espreita, mantendo-nos atentos a microvariações sonoras e às entradas de novos personagens rítmicos numa paisagem sonora mais ou menos mapeada. É um modo de escuta que se aproxima da escuta dos animais, que, em permanente estado de espreita, viram e reviram suas orelhas para mudar o foco de atenção de acordo com a seleção variável de informações sonoras provindas de fontes diversamente distribuídas no ambiente. A música de Sciarrino, em alguns momentos, nos deixa nesse estado de atenção constante característico da espreita, em que não sabemos se estamos ouvindo um som ou não, nem conseguimos prever a periodicidade da repetição de um som devido à irregularidade de seus intervalos de silêncio, ou ainda estranhamos quando somos afetados pela entrada de um novo personagem motívico na paisagem sonora. Sciarrino torna possível, assim, um estado de espreita que nos leva ao limite que separa o homem do animal, gerando a inquietante magia de não mais distinguir a presença da ausência, o pensamento do não-pensamento, a linguagem do silêncio, a música do silêncio, a música da linguagem.24

O silêncio possui ainda outras tantas faces na música dos séculos XX e XXI, de acordo com as outras tantas poéticas em que se expressa. Michel Chion destaca o silêncio em Messiaen, presente tanto em suas escolhas instrumentais quanto em sua escrita singular25, por meio de sonoridades do tipo ataque-ressonância26, possuidoras de envelopes dinâmicos em que a ressonância se direciona a um desaparecimento gradual no silêncio (por exemplo, sons de piano ou percussão).27 Já Luigi Nono, que em seu estilo tardio muito aprofundou seu pensamento composicional no silêncio, aponta para a árdua tarefa de enfrentar a abertura ao desconhecido, a escuta do outro, a saída de si, possibilitadas pelo silêncio, que confrontam a forte tendência de se apegar aos hábitos e de resistir ao novo28:

O silêncio.

É muito difícil de escutar.

Muito difícil de escutar, no silêncio, os outros. Outros pensamentos, outros ruídos, outras sonoridades, outras ideias. Quando se escuta, busca-se encontrar a si mesmo nos outros. Encontrar os próprios mecanismos, sistema, racionalismo, no outro. E isso é uma violência completamente conservadora.

Ao invés de escutar o silêncio, ao invés de se escutar os outros, se espera escutar mais uma vez a si mesmo. É uma repetição que se torna acadêmica, conservadora, reacionária. É um muro contra os pensamentos, contra o que hoje ainda não é possível de explicar. É a consequência de uma mentalidade sistemática, baseada nos a priori (interiores ou exteriores, sociais ou estéticos). Ama-se a comodidade, a repetição, os mitos; ama-se escutar sempre a mesma coisa, com aquelas pequenas diferenças que permitem demonstrar a sua própria inteligência.29

* * *

O que não foi dito pode ser esquecido? Para que houvesse verbo, no início, fazia silêncio dentro da carne. Nesse instante, veio a palavra e lhe deu limites, inaugurou o verso e fez história pela interrupção. Não sei por que preciso lhe dizer isso.30

Valéria Bonafé também tem explorado e valorizado amplamente o silêncio em seu trabalho composicional, ressaltando aspectos importantes de suas potencialidades poéticas. Um primeiro aspecto apontado pela compositora compreende o silêncio de um ponto de vista mais formal, como ausência de sons na construção de processos mais amplos de curvatura formal. Como exemplo, podemos citar um trecho da peça LAN, em que a compositora aplica um processo que denomina de erosão, caracterizado pelo aumento de inserção de silêncios numa textura: “[...] o esfacelamento textural se dá através de dois procedimentos complementares: gradual ampliação do silêncio entre os fragmentos melódicos (processo de erosão) e redução temporal desses fragmentos (processo de contração)”.31 Trata-se de uma utilização de caráter estrutural do silêncio, em um trabalho em escala micro, por dentro de uma sonoridade, mas que reflete diretamente em seu perfil macro.

Outro contexto bastante denso e plural em que o silêncio é explorado na obra da compositora diz respeito a um aspecto expressivo do silêncio quando abordado em proximidade com a morte: “o confronto com a morte, uma imensa sucção e dispersão de energia, a rarefação, o silêncio, o vazio, a perda”.32 Em um ambiente repleto de mistérios, memórias e anseios sobre o vazio, Valéria Bonafé desenvolve diferentes estratégicas para a “sonificação do silêncio”.33 Na peça A menina que virou chuva, Valéria utiliza “compassos silenciosos como uma espécie de um ponto culminante ao avesso”. Assim, Valéria parece, de certa maneira, tornar sonora e musical uma ideia presente em um verso de sua irmã, Daniela Bonafé, que ressalta uma forte intensidade do “som do vazio”34: “Assim, os compassos 51, 52 e 53 somente ressoam a memória de um corte e, ‘vazios’, guardam desdobramentos infinitos daquela energia que até ali havia sido acumulada”.35

Um terceiro ponto, fortemente embasado na crítica feminista contemporânea, refere-se a uma dimensão negativa frequentemente associada ao silêncio por meio dos processos de silenciamento que afetam especialmente minorias em diferentes regimes de relações de poder. Assim, Valéria Bonafé, em parceria com outras colegas artistas colaboradoras, procura trazer à tona vozes e discursos silenciados, dar escuta a quem tem sido mais ou menos forçosamente ignorado.36

Para as mulheres que criam, isso implica entender o que está silenciado em suas poéticas e, a partir desse conhecimento, permitir a expressão de algo que pode ser completamente novo, diferente da visão hegemônica. Articular o que é mais determinado na música (a partitura, sua estrutura formal) e o que está em suas entrelinhas (as possibilidades de escuta, o processo criativo) – eis o desafio.37

Buscando valorizar vozes, sonoridades e discursos oprimidos em uma grande metrópole como São Paulo, Valéria Bonafé, em parceria com a artista sonora Lilian Campesato, construiu a exposição sonora Des-habitar escutas: escuta em disputa na Cracolândia, registrando, em áudio e vídeo, a diversidade de vidas em uma região marcada por profunda desigualdade e abandono social, por meio de conversas com moradores, comerciantes, transeuntes e artistas locais.

Um quarto aspecto destacado por Valéria Bonafé, explorado tanto em Des-habitar escutas quanto em Nos silêncios da tua voz, diz respeito a um intervalo carregado de virtualidades que se potencializa pela escuta do silêncio. Nesse sentido, para a compositora, o que interessa no silêncio é “o não dito, as entrelinhas”, ou seja, aquilo que, em uma relação, se apresenta como um conjunto de produção de sentidos não diretamente linguageiros que compõem e povoam o silêncio dos intervalos entre enunciações sonoras e escritas: nas relações interpessoais, manifestam-se por gestos, interjeições, suspiros e pelo traçar de perfis melódicos nas construções de frases; nas relações musicais e profissionais, a resolução de problemas de escrita e leitura entre o determinado e o indeterminado, entre o escrito e o não-escrito e até entre o escrito e o inescrevível são intervalos que geram incertezas fecundas e que projetam aberturas a novos mundos e relações.

* * *

O que não foi dito pode ser esquecido? Só o que não se diz é preciso dizer. O verbo se faz carne pelo silêncio. Minhas mãos fazem gestos de lavrador, cuja feroz agricultura me promete o esquecimento.38

Essa busca composicional pelo silêncio e pela abertura a novos mundos que ele possibilita combina-se com uma criatividade artística atenta aos limiares da perceptibilidade dos materiais, a tornar sensíveis regiões de sutilezas e gradações sonoras antes imperceptíveis, numa atitude característica das cabeças pesquisadoras39 de compositores e artistas. Os afetos do silêncio dizem respeito, portanto, aos variados mundos de qualidades sonoras e multissensoriais reveladas pela escuta do silêncio. Trabalhar com tais afetos do silêncio é fazer emergir e talhar paisagens e lugares – perceptos – em escalas microperceptivas; trabalhar diretamente nos materiais, buscando deles fazer saltar pequenas sutilezas de variações de seu movimento interno, imperceptíveis até então.

Por afeto, consideramos aqui uma passagem, uma trajetória, uma transpassagem40 que produz aumentações ou diminuições nas potências de agir, de afetar e de ser afetado próprias de um corpo. O afeto, assim, não diz respeito à chegada a tal ou qual estado físico e emocional, mas sim a uma vivência, mais ou menos intensa, que produz, numa passagem, transformações e modificações que aumentam ou diminuem as potências de agir, de afetar e de ser afetado de um corpo. Entretanto, uma tal acepção do afeto não o compreende somente de um ponto de vista subjetivo, como aquilo que acontece quando certas sensações são experimentadas por um corpo no encontro com outro corpo, mas também de um ponto de vista objetivo, entendendo o afeto como já presente, em certa medida, nas próprias qualidades sensíveis que um material expressa num determinado meio. Assim, na escuta musical, o afeto se volta não somente a uma interioridade em que uma sensação é produzida, mas também se insere na exterioridade das qualidades sensíveis mais ou menos talhadas nos materiais heterogêneos pelos compositores e intérpretes. Nesse sentido, o afeto não é somente aquilo que produzimos com projeções do passado e antecipações do futuro no misto confuso de uma escuta atual, mas também aquilo que já se encontra na própria realidade dos movimentos materiais e que pode ser selecionado e apreendido, no processo de percepção, por meio de filtros interessados e motivados.41 Se o processo perceptivo lida com os perceptos, ou seja, com paisagens e lugares que, com seus traços expressivos singulares, possuem existência real independente de uma percepção atual, tais perceptos atuam também como implicados nos afetos materiais e sensíveis, ou seja, como condicionantes de certas possibilidades e modos de ser afetado que estão em relação estrita com tais e quais qualidades e potências próprias de cada material.42 Assim, o que se busca ao olhar para o envolvimento mútuo entre percepto e afeto, ou seja, a superfície comum entre um exterior e um interior, é fazer coincidir a afecção sentida com a imagem percebida, embora não sem reconhecer a diferença de natureza entre ambas.

A escuta do silêncio no coloca em um limiar de imperceptibilidade entre exterior e interior, entre perceptos e afetos, no entrelaçamento das linhas expressivas emanadas de uma imagem e a captura perceptiva-afetiva de tais linhas. Entretanto, para se acessar uma tal região perceptiva na escuta silenciosa de uma obra musical, é necessário um esforço coletivo que implica alguns desafios, tais como: como convidar os ouvintes a participarem ativamente na produção de um ambiente silencioso que atuará como condição de aparecimento de tais ou quais paisagens sonoras? Como possibilitar uma tomada de consciência acerca da potência de um silêncio criativo, que envolva ativamente os ouvintes na construção de um ambiente em que o mínimo de som que venha a ser produzido participa diretamente do acontecimento musical?

Dar escuta ao silêncio surge assim como uma forma potente de abertura às incertezas e imprevisibilidades do aqui e agora. Essa atitude nos incita a uma escuta ativa e atenta aos ambientes sonoros que nos cercam, captando nuances que tangenciam a imperceptibilidade e que carregam um imenso potencial criativo e composicional. Além disso, essa abertura ao silêncio não é apenas uma prática de escuta interessada em sutilezas sonoras, mas também um posicionamento crítico e ético, que nos alerta para os silêncios impostos e os processos de silenciamento que permeiam diversas esferas da vida. A escuta do silêncio se torna, assim, uma ferramenta não só de criação musical, mas também de resistência e de luta contra as opressões que tentam calar vozes e expressões. Em suma, escutar o silêncio é uma prática que nos conecta tanto com sutilezas do som quanto com profundas implicações sociais e políticas do não-dito. A atenção ao silêncio permite a abertura e emergência de imprevisíveis e fecundos materiais sonoros e musicais, de singularidades sutis e pululantes, que permitem que saiamos do sufoco da atualidade do já-possível para aliviadamente respirarmos, escutarmos, povoarmos e pensarmos novos mundos e relações possíveis.

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WEBERN, Anton. Variations, Op. 27. Piano. Viena: Universal Edition, 1937 [1936].

* Gustavo Rodrigues Penha é professor da UFMS
1 BECKETT, 1970, p. 35-36.
2 CAGE, 1961, p. 22.
3 CAGE, 1961, p. 22.
4 CAGE, 1961, p. 22.
5 CAGE apud SEBESTIK, 1992
6 CAGE, 1992, p. 201.
7 Henry David Thoreau (1817-1862), poeta, ensaísta e filósofo estadunidense.
8 THOREAU apud CAGE, 1992, p. 201.
9 CAGE, 2014, p. 291.
10 POUSSEUR, 2004, p. 107.
11 Cf. BOULEZ, 1995, p. 330.
12 Cf. análise de Cage (2014, p. 32) sobre o uso do silêncio em Webern e Satie.
13 FERRAZ, 2007, p. 46-47.
14 FERNEYHOUGH, 2009, p. 11.
15 “O repouso não é um nada” (SPINOZA, 1878, II, Cap. 19, 8, nota 2, p. 57).
16 Sobre diferença de graus entre sombra e luz, ver DELEUZE, 1997, p. 177-193.
17 BUDDHA, Gotama apud ROSA, 2001, p. 237.
18 SCIARRINO apud MISURACA, 2013, p. 75.
19 SCIARRINO, 2013, p. 82.
20 “Do nada aflora alguma coisa: um som. Ele se aproxima de nós e desaparece no vazio em que acaba de ser engendrado. A passagem gradual silêncio-som-silêncio é a pedra angular sobre a qual repousa todas as minhas construções. A instabilidade que liga e separa os três momentos é elevada à posição de princípio” (SCIARRINO, 2013, p. 82).
21 DELEUZE, 2016, p.163-168.
22 “Debussy... A música moleculariza a matéria sonora, mas torna-se assim capaz de captar forças não sonoras como a Duração, a Intensidade” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 140).
23 “Força-se o movimento [de tornar audíveis as forças não audíveis] quando uma forma nominada, uma regra, um estatuto, um governo, o poder, esbarra em forças que se tornaram autônomas a ponto de tirar tais formas de seu eixo. Importante: esse movimento é de mão dupla. Por exemplo, o som e o silêncio. Frente ao silêncio todas as certezas do som desaparecem ao mesmo tempo em que o silêncio ganha um pouco do contorno do som” (FERRAZ, 2010a, p. 73).
24 Sobre o estado de espreita na escuta dos animais e a ideia de que faz parte da potência da arte levar a linguagem ao limite que separa o homem do animal, ver “A de Animal” (DELEUZE, 2004).
25 CHION, 2007.
26 Sons em que a natureza do ataque é abrupta ou dura, conforme classificação schaefferiana dos critérios de ataque dos sons (SCHAEFFER, 1966, p. 532-534).
27 “Mas também o silêncio evocado pelo compositor é devido à escolha frequente que ele faz de certos instrumentos e de sua maneira de escrever para eles: a nota do piano, a percussão-ressonância, são por definição sons ‘a caminho ao silêncio’ em Messiaen e frequentemente ele deixa tempo para a nota desaparecer” (CHION, 2007).
28 Sobre a importância do silêncio no estilo tardio de Nono, ver MAGALHÃES, 2010.
29 NONO, 2001 apud MAGALHÃES, 2010, p. 195.
30 SISCAR, 2006, p. 20.
31 BONAFÉ, 2016, Caderno 2, p. 43.
32 BONAFÉ, 2016, Caderno 3, 15.
33 BONAFÉ, 2016, Caderno 3, 16.
34 BONAFÉ, 2012 apud BONAFÉ, 2016, Caderno 3, 19.
35 BONAFÉ, 2016, Caderno 3, 16.
36 Sobre o silenciamento, ver NAÍSA, 2024 e CAMPESATO; BONAFÉ, 2024.
37 GUARIGLIA, 2024.
38 SISCAR, 2006, p. 21.
39 Sobre “cabeças pesquisadoras”, ver DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 61.
40 Sobre o conceito de transpassagem, ver ORLANDI, 2018a e 2018b.
41 Sobre a percepção como processo de seleção, ver BERGSON, 1999.
42 Sobre a relação entre perceptos e afetos materiais e sensíveis, ver PENHA, 2016 e 2019.