DANTO, Arthur C. “Letter to Posterity: A passion for philosophy led me to my first career, and a passion for art led me to a second, as a critic”. The American Scholar, v. 81, n. 4 (Autumn, 2012), p. 84-91. Republicado, posteriormente, em um compêndio dedicado a Danto: DANTO, Arthur C. “Letter to Posterity”. In: GILMORE, Jonathan; GOEHR, Lydia (orgs.). A Companion to Arthur C. Danto. First Edition. Hoboken: Wiley Blackwell, 2022, p. 397-403.*
Os filósofos foram assim nomeados, na Antiguidade, graças a uma charmosa modéstia. Diz-se que Sócrates rejeitou uma caraterização de si mesmo como um homem sábio, preferindo ser conhecido como alguém que amava a sabedoria – daí o termo philo-sophia. Não sei se, para além da etimologia, a sabedoria figura particularmente no conceito de filosofia, pelo menos entre os próprios filósofos, poucos dos quais, em minha vasta experiência, cobiçam em especial o epíteto de “sábio”, ou mesmo consideram a sabedoria como algo que amam em especial. Os filósofos adoram a esperteza, a acuidade, a fertilidade na invenção de novos argumentos e a engenhosidade em encontrar contraexemplos surpreendentes. Pelo menos desde a profissionalização da disciplina, no século XX, é isso o que os filósofos têm admirado em outros filósofos. O que é ótimo nos filósofos é que eles se divertem com qualquer posição, por mais ultrajante que seja, desde que a possam defender. Minha teoria do fim da arte levou as pessoas do mundo da arte à loucura, mas os filósofos estavam completamente abertos: “Ok, então a arte acabou. Quais são os argumentos?” Eles compensam em abertura o que lhes falta em sabedoria. Na maior parte das vezes, a filosofia é um esporte intelectual.
Nunca, em toda a minha carreira, encontrei um filósofo que eu tomasse como sábio. Anos atrás, porém, conheci o grande historiador da arte, Rudolf Wittkower, que considerei um homem genuinamente sábio. Em comparação com Rudy, a quem adotei como modelo de ser humano, a maioria dos filósofos que conheci parecia superficial, vaidosa, tola e aquilo que Nietzsche chamou de humano, demasiado humano. Assim, meu princípio de conduta tem sido desde então a imitatio Rudy, mas sei muito bem o quão aquém estou de colocar isso em prática. Eu sabia que estaria agindo corretamente se pudesse tratar os outros como Rudy os teria tratado, e acho que, de maneira geral, sabia o que Rudy teria feito na maioria das circunstâncias. Mas, assim como Sócrates sabia tão bem quanto qualquer outro, desde que introduziu o conceito no discurso filosófico, a vontade é fraca, e conhecer o bem não significa fazer o bem, como ele acreditou um dia. Em muitas condições de existência, somos acráticos [akratic], para usar o termo técnico para a vontade moralmente fraca. Assim como Sócrates, suponho que eu poderia dizer que amava a sabedoria, pois, afinal de contas, eu sabia quem era sábio e quem não era, e queria me comportar como o primeiro e não como o segundo. Mas a sabedoria de fato é algo que me escapa.
Sou extremamente grato pelo fato de, mesmo sem ser sábio, ter possuído características suficientes entre aquelas valorizadas pelos filósofos para ter alcançado uma carreira filosófica bem-sucedida. Ter uma mente filosófica qualificaria alguém como um perfeito desajustado se não existisse uma disciplina como a filosofia, e acho que isso explica por que fui considerado um péssimo aluno em meus primeiros anos de vida. Ninguém sabe que alguém é um filósofo aos, digamos, 16 anos de idade, e certamente seus professores do ensino médio também não têm como saber disso. O artista Vitaly Komar me explicou certa vez o que ele admirava nos filósofos: eles afirmam que duas coisas que parecem exatamente idênticas são totalmente diferentes, e que duas coisas aparentemente diferentes são completamente iguais. Meu sucesso como filósofo da arte, para citar um exemplo, consistiu em argumentar que a Brillo Box de Andy Warhol era uma obra de arte, enquanto sua contraparte no estoque do supermercado era uma mera coisa real, embora as duas sejam indistinguíveis para todos os efeitos. Mais tarde, afirmei que todos os problemas filosóficos têm essa forma, como, por exemplo, duas ações, uma feita porque é uma questão de dever e a outra feita apenas porque se tem vontade de fazê-la, podem ser exteriormente idênticas, embora apenas a primeira e jamais a segunda, de acordo com Kant, tenha algum valor moral.
A outra coisa pela qual sou grato à filosofia é o fato de que, pelo menos no mundo em que procurei fazer meu nome inicialmente, era necessário escrever de forma clara, concisa e lógica. Wittgenstein disse que tudo o que pode ser dito pode ser dito claramente, e isso se tornou uma espécie de mantra para minha geração. Em uma determinada época, o periódico britânico Analysis patrocinou competições regulares: algum filósofo sênior propunha um problema que deveria ser resolvido em 600 palavras ou menos, e o vencedor recebia como prêmio um ano de assinatura da revista. Aqui está um exemplo do tipo de problema, proposto por J. L. Austin, que engajou os assinantes da Analysis: “Que tipo de ‘se’ é o ‘se’ em ‘Eu posso se eu escolher’?” (Dica: não pode ser o “se” vericondicional da implicação material, como em “Se p, então q”).
Tentei responder a todos os problemas e nunca ganhei um prêmio. Mas o exercício me ensinou a escrever. As grandes virtudes de clareza, concisão e coerência, exigidas por toda a comunidade filosófica anglo-americana, imunizaram a profissão contra a barbárie estilística da filosofia continental, que, adotada desde o início da década de 1970 pelas disciplinas humanísticas (teoria literária, antropologia, história da arte e muitas outras), teve um efeito desastroso, especialmente na cultura acadêmica, limitando gravemente a capacidade daqueles com uma educação avançada em contribuir para as necessidades intelectuais de nossa sociedade. É verdade que os filósofos analíticos, apoiados nas exigências de sua profissão para atuar dentro de horizontes restritivos, não serviram diretamente à sociedade aplicando suas ferramentas aos problemas densamente complexos dos indivíduos, para usar o termo de Dewey para onde as energias da filosofia deveriam ser direcionadas. Em um determinado momento, reconheceu-se que “a clareza não é suficiente”. Ela não é suficiente. Mas o fato de ela permanecer como um imperativo estilístico na maioria dos departamentos de filosofia anglo-americanos significa que tais virtudes permanecem vivas enquanto as humanidades precisarem recuperá-las.
Devo dizer que escrever crítica de arte da mesma forma que eu escreveria um ensaio filosófico me trouxe um certo número de seguidores em minha segunda carreira, a de crítico de arte, em um período em que a maior parte dos escritos sobre arte contemporânea era pretensiosa e repleta de jargões. De qualquer forma, tive o imenso privilégio de viver em dois mundos. Adoro o mundo da arte por seu espírito de celebração. Mas é delicioso voltar à filosofia, onde você é aceito por mais ultrajantes que possam ser seus pontos de vista, e seus colegas podem discutir infindavelmente até mesmo a menor das questões, sem qualquer sensação de perda de tempo.
Desde cedo, cheguei à conclusão de que a menor unidade do discurso filosófico é o sistema filosófico total. Certa vez, li um texto em que Wittgenstein era retratado como se estivesse se divertindo às custas daqueles que acreditam que todas as questões filosóficas precisam ser resolvidas de uma vez – suponho que ele tinha Bertrand Russell em mente. Wittgenstein achava que nenhum problema filosófico poderia ser resolvido, mas apenas dissolvido, uma vez que tal problema não é real, sendo a filosofia completamente sem sentido, em sua opinião. Minha opinião era e continua sendo que todos os problemas verdadeiramente filosóficos são genuínos, e todos devem, de fato, ser resolvidos ao mesmo tempo, já que formam um todo interconectado. E uma vez que a natureza da filosofia é, em si, um problema filosófico que demanda uma solução filosófica, se Wittgenstein estava errado sobre a própria filosofia, ele deve estar errado sobre tudo mais na filosofia, sem contar os obiter dicta [outros ditos] poéticos que ornamentam seus livros. Fazer filosofia significa fazer toda a filosofia ao mesmo tempo. Isso quer dizer que os filósofos não podem ser especialistas.
Em determinado momento, ocorreu-me que a totalidade da filosofia está de alguma maneira conectada ao conceito de representação, e que os seres humanos são ens representans – seres que representam o mundo; que nossas histórias individuais são as histórias de nossas representações e como elas mudam no curso de nossas vidas; que as representações formam sistemas que constituem nossa imagem do mundo; que a história [history] humana é a história [story] de como esse sistema de representações muda ao longo do tempo; que o mundo e nosso sistema de representações são interdependentes, pois às vezes mudamos o mundo para se adequar às nossas representações e às vezes mudamos nossas representações para se adequarem ao mundo. A certa altura, decidi que minha tarefa como filósofo deveria ser compor uma teoria das representações, que seria uma filosofia do que é o ser humano. Seria uma filosofia da história, do conhecimento, da ação, da arte e da mente. Era um projeto extremamente ambicioso, concebido em uma época em que tais empreendimentos grandiosos estavam totalmente fora de moda no campo da filosofia, em que as reputações filosóficas se baseavam em breves artigos analíticos publicados em periódicos profissionais. Mas pensei que seria uma grande aventura intelectual embarcar em um sistema filosófico completo e desenvolvê-lo em vários volumes.
Minha inspiração, de certa forma, foi uma obra em cinco volumes do grande filósofo hispano-estadunidense George Santayana, intitulada The Life of Reason. Santayana pertenceu a uma geração anterior à minha, para a qual ser filósofo significava, realmente, criar um sistema que abrigasse todas as coisas. De certa maneira, abrigar a totalidade das coisas é uma visão arquitetônica e, embora haja algo de arrogante em acreditar que se é capaz de construir um edifício tão abrangente de pensamento, percebi que todos nós vivemos mais ou menos em um ou outro edifício desse tipo, feito por outros e transmitido a nós. Por que não tentar fazer um edifício mais adequado à maneira como entendemos as coisas? Assim, embarquei um tanto imprudentemente em uma filosofia da representação em cinco volumes. Eu não desejava ser um discípulo de Santayana ou de quem quer que fosse, mas um colega arquiteto de escopo comparável, reconhecidamente com um pouco do seu gosto pela prosa esteticamente autoconsciente. Se alguém opta por uma vida de escritor, é melhor ter prazer com as palavras, e eu não via qualquer incompatibilidade entre a verdade filosófica e o talento literário. Portanto, embora eu continue a me identificar como filósofo analítico, sou grato pelo fato de que, apesar de suas virtudes como disciplina, fui capaz de seguir um caminho independente como construtor de sistemas, independentemente do que as gerações futuras possam pensar sobre o que eu construí.
Sempre tive um intenso interesse pelas artes visuais, minha mãe me levou desde cedo ao Instituto de Artes de Detroit, e durante minha avoada adolescência não conheci prazer maior do que perambular por suas galerias praticamente vazias, à época, repletas de imagens que não se assemelhavam em nada às cenas de minha própria vida. Lembro de um São Francisco de El Greco e de uma pintura de uma mulher com saia acetinada de Terborch. Estudei pintura e pensei em me tornar um artista. O museu tinha uma coleção excepcionalmente rica de pinturas expressionistas alemãs – Kirchner, Schmidt-Rottluff, Pechstein. Fiquei muito tocado pela xilogravura expressionista alemã, e tive certo sucesso como gravurista quando iniciei uma carreira em Nova York, para onde tinha ido depois da guerra – fui um veterano das campanhas no norte da África e na Itália, e desembarquei nesta última, embora não na primeira leva. Ao mesmo tempo, eu também estava estudando para um doutorado em filosofia, tinha uma energia tremenda naqueles anos e dormia muito pouco, e não via razão por que não poderia ter duas carreiras. Em um determinado momento, no início da década de 1960, ocorreu-me, finalmente, que eu estava mais interessado em escrever filosofia do que em fazer arte, que tinha começado a me entediar. Então, parei imediatamente de produzir arte, o que foi ótimo. O movimento do qual eu fazia parte era a Escola de Nova York, ainda que eu nunca tenha sido um abstracionista. Porém, esse movimento estava chegando a um fim e, se eu tivesse escolhido abandonar a filosofia em vez da arte, teria seguido por um caminho complicado. O movimento pop me interessou muito, mas, como romântico, eu não teria tido interesse em ser um artista pop.
O que me atraiu na pop foi o fato de ela ter me mostrado como escrever filosoficamente sobre arte. Eu nunca tinha encontrado qualquer conexão que tivesse me tocado entre filosofia e arte, mas comecei a ver, com a pop, a base para uma filosofia séria da arte. Ao mesmo tempo, considerei a arte de meados da década de 1960 (arte pop e minimalismo) filosoficamente fascinante. Mas as figuras que me envolveram – notavelmente Andy Warhol, mas também Roy Lichtenstein e Claes Oldenburg no movimento pop, e os escultores cujo trabalho foi mostrado na importante exposição Primary Structures, de 1966, no Jewish Museum – eram quase totalmente desconhecidas para a maioria dos estetas, mesmo aqueles raros que conheciam bem a arte moderna. Escrevi meu primeiro artigo sobre filosofia da arte em 1964, em uma época em que minhas capacidades de invenção filosófica estavam no auge. Fiquei muito empolgado com a arte pop depois de ver uma pintura de Lichtenstein reproduzida na ARTnews, na época a principal revista de arte dos Estados Unidos. Eu estava morando no sul da França, escrevendo Analytical Philosophy of History, e tinha dirigido até Paris para o feriado de Natal. Estava ansioso para ler sobre o que estava acontecendo na cena artística de Nova York, então fui até a American Library para olhar as revistas de arte. A pintura de Lichtenstein chamava-se The Kiss, e mostrava um piloto beijando uma garota, como se tivesse saído de alguma história em quadrinhos como Steve Canyon. Fiquei atônito. Não conseguia imaginar uma cópia de um quadro de uma história em quadrinhos sendo exibida em uma verdadeira galeria de arte como a Leo Castelli. De início, fiquei revoltado, pois acreditava nos mais altos ideais da pintura. Mas depois quis ver o trabalho. Minha vida foi essencialmente modificada por aquela pintura e, quando retornei a Nova York, procurei as galerias onde a arte pop estava em exibição. Em 1964, fiquei impressionado com as caixas de papelão de Andy Warhol, expostas em grandes pilhas, como se estivessem no estoque de um supermercado. Instantaneamente, eu as aceitei como arte, mas depois me perguntei por que as caixas de papelão comuns do supermercado não eram arte se aquelas eram. Isso, percebi, tinha a forma de um problema filosófico.
Tive a grande sorte de ser convidado para apresentar um trabalho em um simpósio sobre estética na reunião anual da American Philosophical Association naquele ano, e decidi apresentar os novos tipos de problemas que havia encontrado na arte recente. Eu o chamei de “O mundo da arte”, denotando com isso o mundo das obras de arte. Tal qual convinha à época, minha pergunta era política: como algo se credencia [enfranchised] como uma obra de arte? 1964 foi um ano muito político para os ativistas dos direitos civis estadunidenses, muitos dos quais foram ao Sul para registrar os eleitores negros que haviam sido privados de seus direitos [disenfranchised] devido ao preconceito racial. Ser uma obra de arte significava que um objeto tinha todos os tipos de direitos e privilégios que os objetos comuns não tinham – as pessoas o respeitavam, ele era valioso, era protegido, era estudado e contemplado com admiração. A Brillo Box foi credenciada [enfranchised], as caixas de Brillo, não. Como isso aconteceu? Não podia se basear em nada perceptivo, já que os dois tipos de objetos eram perceptualmente indiscerníveis. Isso significava que as diferenças entre esses dois objetos – e, portanto, entre obras de arte e objetos comuns – precisavam ser invisíveis. Então, o que era ver a Brillo Box como digna de seu status?
Não fui muito longe com uma resposta em “O mundo da arte”. Usei uma estratégia de diferenciação que o momento da filosofia naquela época favorecia: supus que os dois objetos tinham conjuntos divergentes de causas. As causas das caixas de Brillo comuns eram práticas: as esponjas de aço Brillo tinham de ser enviadas das fábricas para os armazéns, destes para os supermercados, onde seriam desempacotadas, colocadas nas prateleiras e vendidas. Isso tornou o logotipo importante, já que as embalagens são muito parecidas. Ele tinha que ser atraente e facilmente reconhecível. A Brillo Box de Warhol não pertencia de forma alguma a essa cadeia causal. Ela foi o resultado do desenvolvimento da teoria da obra de arte e da recente história da arte. Para ver algo como uma obra de arte era preciso conhecer essa história, ter participado dos tipos de discussões que estavam ocorrendo. A condição de ser uma obra de arte era um produto da história e da teoria. Na maioria dos períodos da história da arte, algo como a Brillo Box, embora possível como objeto, não teria sido possível como arte. Ela só se tornou possível como arte quando o mundo da arte – o mundo das obras de arte – estava pronto para recebê-la como uma de suas próprias obras.
De certa maneira, o problema Brillo Box-Brillo é como um problema na religião, ou seja, o problema de distinguir entre um deus em forma humana e um ser humano comum. A evidente humanidade de Jesus reside no fato de que ele sangrou quando foi circuncidado, mas onde se localizava sua divindade? Ela tinha de ser invisível, e é isso que torna o Cristianismo uma religião tão filosófica. Sempre estive convencido pela afirmação de Hegel de que a filosofia, a arte e a religião são apenas momentos diferentes do que ele chamou de Espírito Absoluto. Os Danto são judeus sefarditas que, no caso da minha família, chegaram à Península Superior de Michigan. Mas não sou, em sentido algum, uma pessoa religiosa, embora sempre tenha encontrado inspiração filosófica na maneira como os pensadores cristãos enfrentaram o tipo de problema com o qual me deparei na filosofia da arte. As pessoas religiosas em sua maioria não são filósofas, então as diferenças entre as religiões assumem uma importância que a filosofia jamais permitiria que assumisse.
Quando comecei a escrever o quarto volume do meu sistema, minha filosofia da arte, encontrei um título maravilhoso para ele em The Prime of Miss Jean Brodie, um romance de Muriel Spark. Sua heroína, uma jovem sexy que se torna freira, escreve um famoso livro, The Transfiguration of the Commonplace [A transfiguração do lugar comum]. Ela quer agora uma vida de meditação tranquila, mas o mundo está interessado em seu livro, e acaba assediada por repórteres e coisas do gênero. Decidi me apropriar daquele título. Meus livros anteriores foram Analytical Philosophy of History, Analytical Philosophy of Knowledge e Analytical Philosophy of Action, e não queria que o próximo se chamasse Analytical Philosophy of Art. Adoro o mundo da vida comum [commonplace], e achei que a pop havia transfigurado o mundo cotidiano em obras de arte. Busquei uma definição de arte que explicasse o conceito de transfiguração. Para ser franco, eu realmente aspirava a escrever um livro famoso, como o da freira de Spark – Irmã Helena da Transfiguração. Mas, ultimamente, passei a simpatizar com seu dilema. O livro foi amplamente traduzido e comentado. Não desejo uma vida de devoção silenciosa, mas não me importaria em ter paz. Não se pode ter tudo!
Retrospectivamente, o que sei é que, sem ter noção naquela época, eu fazia parte de um movimento, a própria década de 1960, que consistiu em ultrapassar fronteiras de todo tipo, em meu caso, a fronteira entre arte e vida cotidiana. Embora eu fosse um filósofo acadêmico, de algum modo devo ter pressentido que estávamos vivendo em uma época de imensa convulsão conceitual. Sou muito grato pelo fato de que eu não tinha um temperamento conservador e por não ter resistido à revolução que estava acontecendo na arte, embora ela tivesse pouco a ver com a arte que me fez querer ser um artista, inicialmente. O ano de 1964, como mencionei, foi o “verão da liberdade”, no qual a fronteira entre negros e brancos começou a ser eliminada. Em 1968, o movimento contra a guerra explodiu nas universidades. Foi também nessa época que o moderno movimento feminista foi lançado, inspirado pelo livro de Betty Friedan, The Feminine Mystique, e mais ainda pelo reconhecimento de que a discriminação contra as mulheres era arbitrária. Em 1969, vieram os protestos de Stonewall em Greenwich Village e o início da libertação gay. O que começou como uma superação de fronteiras no mundo da arte culminou na superação de fronteiras na vida política em todos os lugares. Tenho muito orgulho do fato de esses movimentos terem sido detonados nos Estados Unidos e especialmente em Nova York, e me sinto envergonhado pela reação conservadora que ocorreu nos Estados Unidos nas últimas décadas. Sou um defensor da abertura na arte, na política, no sexo, e na vida.
Nasci em 1º de janeiro de 1924, em Ann Arbor, Michigan. Meu aniversário talvez explique meu indefensável otimismo. Cada ano começa em uma nova página, tanto para mim quanto para o mundo. Sempre gostei da idade que tinha, menos na minha adolescência, quando o fato de ser um filósofo nato atrapalhou minha vida sem que eu soubesse o porquê. Gosto de ter 88 anos, apesar de não ter alcançado a sabedoria. Proust escreve sobre les chagrins qu’ont les vierges et les paresseux (“os desgostos a que estão sujeitos virgens e indolentes”). Não tenho nenhum tipo de arrependimento. Meu sistema filosófico é inacabado, mas não porque eu fui preguiçoso. Na verdade, eu me distraí com oportunidades filosóficas. Expus todo o sistema em um livro de 1989, Connections to the World, em que o último capítulo aponta para além da filosofia. Passei muito tempo escrevendo sobre a arte que me interessa, tendo a sorte de ter sido designado como crítico de arte para a revista liberal de esquerda The Nation. O que me ajudou a desempenhar alguma influência em minha época.
Sempre preferi muito mais a companhia de mulheres do que a de homens, e não tenho interesse algum nos tipos de coisas que os homens supostamente valorizam: esportes, velocidade, lutas e coisas do gênero. Por preferência, tenho sido sucessivamente monogâmico. O casamento (ou relações semelhantes em que a vida é compartilhada) é o meu estado ideal de existência. Posso entender como homossexuais almejam uma vida assim e não vejo nenhum fundamento em lhes negar a oportunidade de viver o estilo de vida no qual encontrei uma satisfação tão intensa. Esse é um dos benefícios de não ser religioso. O outro é não acreditar em uma vida após a morte. Embora eu tenha sofrido profundamente quando minha primeira esposa morreu, não tive medo por ela, pois senti que o fim realmente é o fim. Odeio a ideia de morrer, visto que desfruto muito da vida, desde que possa vivê-la de fato. Porém, a morte é uma dádiva dos deuses, uma maneira de escapar da vida quando ela é realmente intolerável. Embora eu tenha construído um sistema filosófico, ele não contém uma filosofia de vida. Se tenho uma filosofia de vida, é continuar vivendo até morrer.
Se vale de alguma coisa, carrego uma forte semelhança com Sócrates, aquele homem lendariamente feio. Amigos estão sempre enviando cartões postais de bustos de Sócrates, impressionados com nossa semelhança. Uma artista, cujo projeto é pintar retratos de figuras do mundo da arte como obras de arte famosas, pintou um retrato meu como um busto de Sócrates. Aqui está a inscrição: ARTHOYROS DANTO PHILOSOPHOS DHMOTHS NEAS YORKHS. “Arthur Danto, filósofo, cidadão de Nova York”.