Em “Metafísica, sonhos e ficção: Kant e os espectros”, Walter Menon se debruça com interesse renovado sobre o curioso texto kantiano de 1766, Sonhos de um visionário explicados pelos sonhos da metafísica. Desviando da linha mais evidente de exploração do opúsculo pré-crítico entre os kantianos, que usualmente buscam aferir aí antecipações ou distanciamentos do projeto crítico, Menon se dedica a uma tese muito mais arrojada: a partir do esquema ótico e projetivo utilizado por Kant na sua explicação das visões daqueles que supostamente se comunicariam com espíritos, estreitamente relacionado ao próprio dispositivo técnico de projeção de fantasmagorias, o autor delineia os germes da indústria cultural em seu esquematismo. Esta, portanto, caracteriza-se como um grande sistema espectral de projeção onírica de nossas próprias fantasias egóicas, realimentadas e administradas em um realismo capitalista, segundo a fórmula de Mark Fisher, que nulificaria toda outra forma de desejo que não esse da perpetuação esvaziada de si e do presente. Ressalte-se que a tese ganha ainda mais profundidade ao unir a explicação da teoria kantiana dos espíritos, centrada na leitura mais detida do texto, com uma contextualização histórica, na parte final do artigo, sobre o crescimento exponencial de uma certa cultura dos romances populares de gêneros, como o gótico e a aventura, e de espetáculos com tais projeções fantasmagóricas, promovendo uma coletivização desse trabalho onírico e hegemonizando esse novo paradigma cultural. Segundo uma tensão que percorre toda a argumentação, Kant acabaria por oferecer tanto uma advertência como, mesmo à sua revelia, a justificativa para a contínua perpetuação de um tal sistema.
Em meu comentário, gostaria primeiramente de explorar algumas estratégias de Menon na aproximação ao texto kantiano em suas ambiguidades, uma vez que elas se mostram decisivas para afastá-lo das leituras mais tradicionais e antecipar, sutilmente, a pretendida passagem para os problemas em torno da indústria cultural. Tal operação restitui um frescor salutar à obra de 1766, desde certo contexto, mas parece também deslocar desígnios centrais de Kant com a obra, originando algumas tensões. Por fim, pretendo prolongar a conclusão em torno da interessante formulação de Mark Fisher sobre o realismo capitalista e sua colonização dos sonhos, desdobrando um argumento complementar do autor inglês, que também sondou na lógica espectral própria a este tempo e cultura aspectos de resistência e mesmo abertura.
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Dizer que Menon, na interpretação de Sonhos de um visionário, evita as leituras mais tradicionais não significa apontar no seu procedimento a falta de um acompanhamento detido da articulação do ensaio. Pelo contrário, justamente por não pressupor na obra uma preparação do projeto que seria coroado nas Críticas, o autor é levado a tomar com ainda mais franqueza o desdobramento progressivo e as várias faces da própria argumentação, sem antecipar como único resultado relevante a crítica às especulações da metafísica e sua conversão em uma ciência dos limites do conhecimento. Com efeito, a variação do tom de Kant – que arrisca aqui, por vezes, uma forma muito mais literária, satírica e menos acadêmica – e a excêntrica ordenação das partes do texto1 autorizam, à primeira vista, uma consideração menos unívoca da obra, destacando-se a curiosa atração que o tema da comunicação com os espíritos parece exercer sobre o filósofo alemão.
É bem verdade que o tom irônico, até mesmo envergonhado, já no “Relatório preliminar” que introduz a obra, convoca certo ceticismo frente às considerações iniciais a respeito da metafísica dos espíritos e a seus saldos. As ressalvas inicias sobre o resultado da investigação culminam em uma severa confissão, que não pode ser ignorada: “Ele [o autor deste escrito] – como em geral, onde não há que procurar – nada encontrou”.2 Com isso, Kant já preparava a virada simultaneamente espirituosa e programática do texto, mais de quarenta páginas depois: a análise teórica sobre a existência de espíritos não visava propriamente demonstrar a plausibilidade das visões de espíritos, muito menos justificá-las objetivamente – o que se mostra, por fim, impossível e infundado sem o apoio da experiência. Antes, tratava-se de criar uma fictio heuristica, hipótese ficcional que, conquanto plausível teoricamente, resulta absurda como prova da existência dos espíritos, revelando o parentesco entre as especulações desvairadas da metafísica dogmática e as visões patológicas de um Swedenborg.
Ora, como se vê, o percurso kantiano insere o texto em uma voga típica do Esclarecimento, de advertência contra o perigo de tais crenças e superstições obscurantistas, ao mesmo tempo que anuncia a reviravolta do criticismo contra a metafísica. Menon, no entanto, sem inteiramente ignorar esses aspectos críticos, oferece uma outra abordagem e assim desloca ligeiramente o centro da obra, de modo que até mesmo uma dimensão estética será vislumbrada na curiosa atração exercida pela temática, quando apartada da relação mais intrincada com a crítica da metafísica. Pois, afinal, Kant cria essa fictio heuristica como quem escreve um conto fantástico, ou, como ele mesmo formula, como “um conto do país das fadas da metafísica”3, e é precisamente sobre as ambivalências e poderes dessa ficção – na plena polissemia que o termo passaria a assumir – que se concentra Menon. O foco, portanto, passa para a primeira parte de Sonhos de um visionário, quando o nome de Swedenborg ainda sequer é mencionado e a própria intenção heurística da ficção kantiana ainda não se faz ver tão claramente por trás de uma teoria dos espíritos bastante consequente, confrontada com explicações fisiológicas sobre alucinações e sonhos. Aí, Kant é tanto aquele que nos explica, por meio de esquemas óticos, os mecanismos até mesmo patológicos por trás das visões de espíritos, como, ao mesmo tempo, parece fundamentar a plausibilidade de sua permanência nas bordas daquilo que se pode conhecer: os espíritos se tornam fantasmas, pois, banidos pela razão, continuam a assombrar como ficção. Numa direção bastante própria, o comentário explora uma ambiguidade que se mostrava latente na recepção imediata da obra em sua época: como notava Mendelssohn, em uma curta resenha sobre o livro, o próprio estilo deixava o leitor em dúvida “se o Sr. Kant quisera tornar risível a metafísica ou crível a visão de espíritos”.4 Aliás, se pensássemos no que nos conta Menon mais à frente, sobre a moda dos romances góticos e dos espetáculos de aparições nos fins daquele século – momento, então, quando o que entendemos como ficção se populariza e mercantiliza – a ficção kantiana, com seus elementos de ótica e psicopatologia5, torna-se, por assim dizer, algo como um pequeno conto gótico, em que um sombrio Kant, em seu gabinete escuro, procuraria desmascarar, por meio de complexos experimentos e engenhocas óticas, as encenações de aparições de espíritos de charlatões, apenas para acabar assim conjurando-os como fantasmas vindos do escuro para assombrar e fascinar – a si mesmo e a seus leitores.
Mas por que, então, a persistência dessa crença nos espíritos e mesmo do fascínio com relatos de suas visões? Isso não ocorre simplesmente porque a teoria dos espíritos, em sua análise puramente especulativa de conceitos, é desenvolvida de modo bastante consequente em termos das exigências teóricas da razão, uma vez que não há dúvida de que Kant é igualmente insistente na tentativa de desmontar o mecanismo por trás de tais visões e mesmo de denunciar os perigos dessa crença. Entretanto, no próprio expurgo da objetividade dessas posições, reconhece-se, no sujeito, um assento profundo que realimenta insistentemente o funcionamento espectral desse esquema: “a crença na vida eterna e a necessidade moral dessa crença”6, como resume Menon. Aqui, acredito, encontra-se uma das principais chaves da leitura proposta pelo comentário, a qual implica, entretanto, um movimento intricado, que articulará essa ficção dos espíritos a um horizonte de questões que não é óbvio na letra kantiana.
Ao contrário do que pensaria um leitor mais apressado, não se trata simplesmente de negar a objetividade e suspender o conhecimento desse âmbito espiritual para salvaguardar seus direitos em vista das exigências morais – na linha do que leríamos na famosa afirmação de Kant, no prefácio da Crítica da razão pura, de que tivera “de suprimir o saber para encontrar lugar para a crença”.7 O passo crucial insistido por Walter, ainda que talvez vago em Kant, é reconhecer no esquema projetivo dos visionários, que lançam o focus imaginarius das impressões do sentido interior para o plano exterior – e que constitui uma das novidades na explicação kantiana em relação a modelos óticos anteriores, como o cartesiano – a consequência imagética e espectral da fé na vida eterna como uma esperança de continuidade de parte do ser humano após a morte, intimamente associada ao próprio dispositivo técnico de projeção que passará a dominar espetáculos e novas experiências estéticas do público moderno. Dito de outro modo: tal esquema não explica só o funcionamento, patológico ou não, das visões e alucinações assim indiferenciadas, e sim reflete a própria expectativa e desejo de prolongamento do sujeito que se exprimem na crença na vida eterna.
Essa articulação, que amplia o esquema projetivo para vários níveis da argumentação, permitirá a Menon apontar para consequências inesperadas da argumentação kantiana. De fato, a noção de projeção permite pensar desdobramentos importantes no interior da filosofia crítica. Sabemos como a noção de focus imaginarius retornará na primeira Crítica numa explicação ótica das ideias transcendentais que, não obstante reforçar certo caráter umbrático das mesmas, para além da experiência possível, valida seu papel regulador, ao orientarem o entendimento “para um certo fim, onde convergem num ponto as linhas diretivas de todas as suas regras”.8 Constantemente iluminada e cingida pelo afã crítico, a ficcionalidade fantasmagórica da razão – cujos conceitos, aliás, também serão entendidos como “ficções heurísticas”9 na obra de 1781 – acabaria por ser produtiva, ainda que não constitutiva, de modo que a dialética transcendental, enquanto crítica da aparência, parece ganhar novas tonalidades quando lida assim, assombrada pelas projeções dos Sonhos de um visionário.
O argumento de Menon, por sua vez, faz como que colapsar o modelo ótico da projeção, que explicava o fantasista, com a própria esperança moral na eternidade, relida na chave de uma perpetuação de parte de si, unificando-os em um esquema de expectativa e apreensão da realidade que seria progressivamente explorado, extrapolado e, enfim, expropriado por uma nova cultura de massas, mercantilizada e industrializada, tal qual lida nas famosas formulações de Adorno e Horkheimer. O passo, sem dúvida instigante, depende todavia da identificação – não evidente por si só – da noção do “esquema” projetivo, como aparece no texto pré-crítico, com o “esquematismo” nos termos do criticismo e na maneira segundo a qual o mesmo será relido pelos teóricos da escola de Frankfurt como objeto de manipulação pela indústria cultural. Mais do que isso: essa passagem, de certo modo, é preparada no sutil deslocamento do sentido moral dessa projeção. Se pensarmos em uma leitura mais circunscrita da letra kantiana, o modelo projetivo do focus imaginarius, que se manifesta na crença em espíritos e em nossa comunhão com eles, recebe importância moral justamente por não nos limitar, em nossa ação, à nossa perspectiva individual e a nossos interesses privados, “fazendo que as tendências de nossas emoções tenham o foco de sua reunião fora de nós em outros seres racionais”.10 Assim, sentimo-nos movidos por uma força exterior e espiritual, que nos leva a agir segundo princípios racionais mesmo quando estes se opõem aos pendores egoístas, pois nos reconhecemos pertencentes a uma comunidade superior, a uma “república espiritual”.11
No comentário de Menon, em contraste, essa projeção amparada pela fé moral recebe, progressivamente, traços distintos. De ideia e pressuposto moral, esse prolongamento do sujeito em uma ordem espiritual passa a expressar, não uma transcendência racional em relação à individualidade da pessoa, que a constrange, mas, justamente o contrário, um desejo egoísta de reprodução e perpetuação de si. Isso fica bastante evidente quando, ao nos encaminharmos para o fim do comentário, encontramos o regime onírico de visão de fantasmas relacionado ao “desejo projetado como desejo do outro”, a uma “forma de vida desejável, livre dos constrangimentos da razão”, ao mundo experimentado como “ilusão solipsista” e de acordo com “fantasias infantis de onipotência”.12 Assim, apesar de negar textualmente uma ligação a interpretações psicanalíticas, o comentário parece introduzir inevitavelmente um influxo freudiano no modo como o modelo ótico e suas associações com visões e sonhos são lidas, como testemunha o surgimento súbito de um vocabulário que inclui expressões como “recalcado” e “economia libidinal neurótica”. Isto é: mesmo que sutilmente e de maneira dispersa, é algo do conceito freudiano de projeção13 que se amalgama à interpretação do esquema kantiano da projeção dos fantasmas, inclusive na sua ampliação ao esquematismo como um todo. Não propriamente o conceito psicanalítico em seu sentido mais estrito, como transferência exterior daquilo que não encontra lugar na interioridade, mas numa acepção mais geral, central para Adorno e Horkheimer, quando “sob forte inspiração freudiana – começam a falar da projeção como um mecanismo que se encontra na base da relação de nossa consciência com o mundo exterior” e fazem “referência, ainda que não nominal, ao esquematismo kantiano”.14
Logo, sabendo da importância dessa articulação entre Kant e Freud para os autores da Dialética do esclarecimento, a passagem do comentário aos problemas em torno da indústria cultural não tem nada de súbita, nem mesmo exterior, como fosse meramente motivada pela associação a um crescente mercado em torno de histórias e espetáculos de fantasmas. Antes, essa passagem é preparada nessas inflexões do tema da projeção. Se lemos o texto de Kant pelo avesso, a partir dessa chave, torna-se patente, também, por qual motivo o horizonte principal do comentário não é a conclusão mais tradicional, de que o metafísico se aproxima do visionário que, por sua vez, acaba indistinguível do fantasista quanto à produção das imagens. De algum modo, todos carregaríamos como mundo privado uma tendência a essas projeções da ordem do sonho, usualmente banidas, entretanto, pela razão e mesmo pelos sentidos na vigília. Com o germe disso que viria a ser denominado indústria cultural, todavia, não apenas o privado se torna coletivo, mas esse esquematismo projetivo é ele mesmo capturado pela produção industrial e administrada da cultura, fazendo retornar como fantasma o que fora expurgado pela razão. Daí a importância da afirmação de Menon, segundo a qual a introdução feita por Kant do dispositivo de projeção fantasmática, com o espelho côncavo, não é “uma mera metáfora”, mas um operador do mesmo esquema que está sendo descrito para a imaginação e que, com a proliferação dos meios técnicos, não só se alastra em nova escala, mas se torna ele mesmo objeto de uma técnica e de dispositivos, tornando a promessa de estetização do real e libertação das potências poéticas do sonho em catástrofe fantasmática da publicidade, do consumo e do conformismo.
É nesse ponto que Walter aproxima sua tese da proposta de Mark Fisher. Na captura dessa lógica espectral dos sonhos veríamos a conversão e identificação final entre o “idealismo sonhador”, segundo a fórmula de Adorno e Horkheimer, e esse “realismo capitalista”, como Fisher conceitua a nossa época, dominada por um consenso que não imagina nenhuma outra realidade além do status quo capitalista, tornando a fantasmagoria um regime como que autônomo, a nos manter perpetuamente aprisionados em sua lógica. Se, como aponta Fisher, só se ameaça um tal modelo de capitalismo mostrando que não tem nada de real e natural15, o reconhecimento de uma tal identificação não deixa de apontar para um potencial de resistência e, quiçá, a reabertura de outras possibilidades. O comentário, entretanto, conclui com um tom muito mais sombrio, remarcando a autonomização, abrangência e, curiosamente, aparente solidez desse sistema espectral que, para além de qualquer elite ou agentes dominadores, revela a “própria fantasmagoria a comandar o espetáculo em um presente contínuo”.
O aspecto temporal – ou a própria suspensão do tempo – desse presente contínuo é certamente um dos focos para os quais somos conduzidos por essa lógica espectral até aqui investigada. Decerto, se retomarmos a argumentação sobre o esquema espectral projetivo, construído sobre uma fé moral na vida eterna degenerada em mero desejo de perpetuação de si, resta claro que o futuro acaba assim esvaziado de toda novidade, ou melhor, o tempo simplesmente se fecha em um perpétuo agora, habitado por fantasmagorias. Variações dessa mesma concepção temporal podem ser encontradas em diferentes autores que procuraram pensar nossa época, o que alguns pretenderam chamar de pós-modernidade ou capitalismo tardio. Entre eles, poderíamos destacar Frederic Jameson, dada a frequência com que é evocado pelo próprio Fisher.16 Com efeito, Jameson17 caracteriza essa temporalidade mediante uma antinomia: por um lado, o constante presente imediato, marcado pelo esquecimento, ou melhor, pela inabilidade de criar novas memórias; e, por outro, uma extrema nostalgia, produtora de uma tendência cultural sobretudo marcada pelo pastiche e pelo ecletismo.
Sem pretender nesse espaço desenvolver as várias consequências dessas formulações, recupero-as apenas por se tornarem também centrais para o próprio Fisher, que as mobiliza para pensar uma certa lógica espectral. Pois é notável que também o autor britânico mobilize o fantasmático como o modo mesmo de agência de nossa época, incorporando o conceito de Derrida de hantologie.18 Não propriamente interessado no projeto da desconstrução, e no modo como a hantologie dava continuidade a um projeto de desestabilização da metafísica da presença centrada na categoria de ser, ele recorre à categoria pelas implicações temporais que trazia19, oferecendo uma chave para pensar do avesso e de maneira plural essa lógica espectral da cultura pós-moderna descrita por Jameson, suspensa entre o não mais e o não ainda de um presente aprisionador.
Como explica no artigo “The Slow Cancellation of the Future”20, um dos vetores dessa agência espectral seria justamente caracterizada por um “não mais”, que continua efetivo virtualmente, como uma espécie de compulsão traumática da repetição que não teríamos dificuldade de ligar com o esquema projetivo traçado por Menon. Isolando esse movimento, explica-se sem dúvida a queda melancólica e frenética na nostalgia do consumo, assim como esse fechamento do futuro e do esgotamento das alternativas tão bem descritos em Realismo capitalista. Fisher, todavia, reconhece a necessidade de compreender que o espectral, enquanto manifestação plural, age não apenas por repetição, mas também pela antecipação, do “não ainda”, daquilo que, de fato, nunca foi, mas que, desse modo, continua efetivo como uma assombração. Ao contrário de apenas confirmar expectativas egoístas esvaziadas e manipuladas por um sistema autônomo de produção de fantasmas, a lógica espectral também explicitaria ecos de uma resistência e de uma abertura que justamente se negam a aceitar o presente estabelecido como real naturalizado, fazendo duvidar, portanto, da solidez totalizante de um tal regime.21 Logo, poderíamos concluir com Fisher que não se trataria de propor uma simples saída do regime espectral e fantasmático por meio de algum retorno ao passado pleno de densidades seguras, mas, como escreve sobre a música, num pensamento que não cansou de ampliar para a ação política:
em uma época de reação e restauração política, quando a inovação cultural estancou e mesmo retrocedeu [...] uma função da hauntologia é a de continuar a insistir que há futuros para além do tempo terminal da pós-modernidade. Quando o presente desistiu do futuro, é preciso ouvir pelas relíquias do futuro nos potenciais inativados do passado.22
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