Fábrica de hiperstição: ou sobre como perdemos o mundo
Guilherme Foscolo

1. Problema//Hipótese/

“Não posso deixar vocês crescerem em um mundo tão corrompido pelo mal sem ao menos defende-las e a outras crianças como vocês” – disse ao volante, numa autogravação de celular para as filhas, Edgar Welch, em 4 de dezembro de 2016.1 Welch cruzou os mais de 560 quilômetros de sua casa em Salisbury, na Carolina do Norte, até Washington D.C., com o objetivo de resgatar supostas crianças – vítimas de abusos sexuais e rituais satânicos – que seriam mantidas em cativeiro no subterrâneo da pizzaria Comet Ping Pong por uma rede chefiada por Hilary Clinton e pessoas poderosas ligadas ao Partido Democrata. Depois de invadir a pizzaria armado com um fuzil de assalto e disparar três vezes, Welch se rendeu às autoridades. Mesmo não encontrando sinais das crianças no restaurante, apenas concedeu que a informação sobre a localização das crianças não foi totalmente acurada. Quando questionado sobre como obteve essa informação, disse que “através do boca-a-boca”, mas que, ao pesquisar na internet, supostas “provas substanciais de uma combinação de fontes o haviam deixado com a ‘impressão de que algo nefasto estava acontecendo’. [...] um artigo sobre o assunto o levou a outro e depois a outro”. Nesta mesma entrevista – realizada pelo The New York Times – Welch afirmou não gostar do termo fake news, pois se destinava a “diminuir as histórias fora da grande mídia”. Por fim, apesar de ser republicano, alegou não ter votado em Trump – mas que estava “orando para que o Sr. Trump leve o país na direção certa”.2

Para entender como essas informações circularam, temos que retornar a outubro/novembro de 2016 – quando a WikiLeaks tornou públicos e-mails hackeados do chefe da campanha de Hillary Clinton, John Podesta. Embora não houvesse nada explicitamente incriminador nas centenas de e-mails divulgados, não levou muito tempo até que o uso de palavras ordinárias como “pizza”, “cheese”, “pasta” etc. fosse ligado ao uso dado a elas por comunidades de pedofilia na dark web (cheese pizza = child pornography; pasta = boy; cheese = child etc.). O que tornou isso possível? Uma teoria da conspiração que, até onde se sabe, teve origem no 4Chan; ganhou tração pelo Twitter e Facebook através de contas falsas; foi publicada em um website de “notícias alternativas” por Sean Adl-Tabatabai com a chamada “FBI Insider: Clinton Emails Linked to Political Pedophile Sex Ring”3; e que então foi replicada por blogs e outros canais trumpistas de notícias alternativas (uma das notícias produzidas a partir da versão de Sean Adl-Tabatabai – com a chamada “IT’S OVER: NYDP Just Raided Hillary’s Property! What They Found Will RUIN HER LIFE” – gerou, sozinha, mais de 107 mil compartilhamentos e reações no Facebook). Centenas de milhares de interações foram produzidas por uma rede digital que envolveu mídias sociais, blogs e canais de notícias – e que operaram não somente replicando a narrativa, mas também acrescentando a ela sempre novos elementos.4 Note-se que a narrativa já tinha “forma” mesmo antes do vazamento dos e-mails de John Podesta – e que o vazamento, por fim, a propulsionou na fase mais crítica das eleições. Os esforços da mídia tradicional para desacreditar a teoria conspiratória surtiram o efeito oposto: Twitter, Facebook, Instagram e o YouTube foram inundados por “leituras críticas” dos artigos de descrédito publicados por jornais como o The New York Times – que estariam tentando “abafar a verdade”.5

O Pizzagate, como hoje se sabe, foi um balão de ensaio para o QAnon. Em 2017, ano seguinte às eleições nos EUA, um usuário anônimo no 4chan – conhecido apenas pela letra Q – começou a divulgar “informações sigilosas” supostamente adquiridas desde dentro da administração Trump. Q alegava ter “Q Clearance”, o que garantiria o acesso a tais informações secretas (e daí a escolha da letra) – e que passaram a ser reveladas em postagens que se tornaram conhecidas como “Qdrops”. “Anon”, por sua vez, designa qualquer usuário anônimo em fóruns como o 4chan ou o 8chan/8kun (website que abrigou, posteriormente, as postagens de Q). A escatologia construída pelos Qdrops previa a existência de uma rede satanista global de pedofilia, tráfico de órgãos e de crianças, composta por uma elite política, financeira e cultural, e que teria operado impunemente na gestão Obama; Trump emergia, assim, como alguém que lutava contra o deep state (suposta rede secreta de poder que operaria como um governo clandestino engessando/dirigindo e até mesmo coibindo as ações do governo eleito) para expor/punir tais elites em um evento de revelação cataclísmico chamado de “the Storm”. Os Qdrops eram publicados como breadcrumbs (literalmente, “migalhas” de informações que conduziriam os leitores “à verdade”) numa estratégia de future proves past: eventos correntes eram lidos como provas de antigas postagens.6 Pouco importa, nesse sentido, que inúmeros Qdrops não tenham se realizado no real, uma vez que o horizonte da revelação (e de sua realização) apontava sempre para o futuro.

O alcance de Q – assim como o do Pizzagate – foi exponenciado pelas mídias sociais. Até que redes como Facebook, YouTube e Twitter anunciassem políticas de combate à propagação de fake news com potencial de produção de violência, os conteúdos conspiratórios circularam livremente pelas plataformas (influenciadores/hermeneutas digitais do QAnon possuíam enormes audiências).7 Tais medidas, na realidade, chegaram muito tarde: em 06 de janeiro de 2021, o Capitólio foi invadido por algo entre 2000-2500 pessoas (dentre as quais o autodenominado QAnon Shaman Jacob Chansley) que, estimuladas pelo “Save America Rally” de Donald Trump, buscaram interromper a certificação do presidente eleito pelo Congresso.8 O próprio Trump (mas também membros de sua família, staff e membros da administração) amplificou o alcance de contas ligadas ao QAnon – durante o seu mandato, contabilizaram-se 315 interações (retweets/reações) com 168 contas individuais de apoiadores do QAnon, chegando a vinte interações em um único dia9 – o que revela, para dizer o mínimo, o interesse direto em colher benefícios através de quaisquer eventos que se mostrassem politicamente lucrativos.

No Brasil, o uso massivo das mídias sociais se provou decisivo para a vitória da chapa Bolsonaro-Mourão nas eleições de 2018 – estratégia posta em movimento, hoje se sabe, por uma rede de marketing e desinformação eleitoral (ainda em atividade) autointitulada, segundo relatório recente da polícia federal encaminhado para o STF, “gabinete do ódio” [GdO]:

Identifica-se a atuação de uma estrutura que opera especialmente por meio de um autodenominado “gabinete do ódio”: um grupo que produz conteúdos e/ou promove postagens em redes sociais atacando pessoas (alvos) – os “espantalhos” escolhidos – previamente eleitas pelos integrantes da organização, difundindo-as por múltiplos canais de comunicação, em atuação similar à já descrita outrora pela Polícia Federal, consistente no amplo emprego de vários canais da rede mundial de computadores, especialmente as redes sociais, com eliminação de intermediários, com as seguintes características: a) em “alto volume” e por multicanais, implicando em variedade e grande quantidade de fontes; b) de maneira rápida, contínua e repetitiva, focada na formação de uma primeira impressão duradoura no receptor, a qual gera familiaridade com a informação e, consequentemente, sua aceitação; c) sem compromisso com a verdade; e d) sem compromisso com a consistência do discurso ao longo do tempo (i.e., uma nova difusão pode contrariar absolutamente a anterior sem que isso gere perda de credibilidade do emissor). Observa-se também que, além de promover ataque aos veículos tradicionais de difusão de informação (jornais, rádio, TV etc.) e de estimular a polarização e o acirramento do debate, a organização utiliza essa estrutura para atacar de forma anônima diversas pessoas (antagonistas políticos, ministros do STF, integrantes do próprio governo, dissidentes etc.), tudo com o objetivo de pavimentar o caminho para alcance dos objetivos traçados (ganhos ideológicos, político-partidários e financeiros).10

O GdO mimetizou as práticas empregadas por Trump e seu estrategista digital, Steve Bannon, com quem a família Bolsonaro manteve relações estreitas ao longo do seu primeiro mandato. O “Trump dos Trópicos” emergiu na campanha de 2018 como “mito”, suposto outsider anti-establishment (apesar dos 27 anos em que atuou como deputado e de ter aprovado, em todos esses anos, somente dois projetos) capaz de enfrentar, sozinho, a ameaça comunista em um “sistema” corrupto aparelhado pelo PT. Se o anedótico kit gay e o descrédito das urnas eletrônicas foram pontos fortes da campanha de 2018, após a vitória as atividades do GdO se expandiram: para além dos ataques a personalidades políticas e/ou públicas, houve o “pavão misterioso” (uma tentativa estapafúrdia de se produzir um “Q” brasileiro – e desviar a atenção do escândalo da Vaza Jato)11, ataques a um suposto “marxismo cultural” das universidades federais brasileiras (nas quais haveria, segundo o então Ministro da Educação Abraham Weintraub, “plantações extensivas de maconha” e “laboratórios de droga”)12 e uma intensa campanha de negacionismo e desinformação movimentada durante a pandemia de COVID no Brasil.13 A produção de narrativas digitais e teorias conspiratórias se intensificou tanto que, no início de 2021, um artigo na Foreign Policy já falava em um QAnon brasileiro:

A versão brasileira do QAnon tem um tom marcadamente pró-Bolsonaro. Seus seguidores têm como alvo personalidades populares da mídia como Luciano Huck e Xuxa, com uma multidão de QAnons acusando ambos de promover a pedofilia. Também são considerados malignos os partidos políticos de esquerda, antigos líderes do Congresso Nacional do Brasil e juízes da Suprema Corte. Dito de forma simples, os opositores de Bolsonaro são declarados inimigos do QAnon. Em contraste, o presidente e seu comparsa, o Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, são alçados a cruzados nacionalistas, travando uma batalha contra tudo, desde crimes sexuais infantis e corrupção das elites até supostas conspirações de vacinação e a propagação do marxismo. A admiração de Bolsonaro pelo desmoralizado ex-presidente americano Donald Trump – suposta fonte do QAnon – só consolidou o apoio do movimento ao líder brasileiro e suas várias causas.14

Com a proximidade das eleições presidenciais de 2022, há um forte motivo para a preocupação, uma hipótese e dois aspectos deste fenômeno que eu gostaria de explorar. O motivo da preocupação é evidente: crenças (não importa se falsas ou verdadeiras) constituem princípios de ação (resultaram, no limite individual, na invasão da pizzaria Comet Ping Pong por David Welch; coletivamente, produzem consequências bem mais desastrosas: não se trata somente da eleição de representantes da alt-right contemporânea, mas da possibilidade de eventos de violência de massa como a invasão do Capitólio – e que lança maus auspícios para um resultado eleitoral que não seja favorável a Bolsonaro neste ano). A hipótese é a de que o conglomerado contemporâneo de tecnologias digitais tornou possível a emergência de um sistema autopoiético cuja dinâmica interna alterna entre a produção de memes e a constituição de uma metanarrativa (os memes tanto instanciam a metanarrativa quanto se estabilizam nela); este sistema – e que opera exclusivamente por retroalimentação positiva – não dá sinais de colapso; justamente por isso, parece se adequar bem ao conceito de hiperstição. E, por fim, os dois aspectos – os quais chamarei de tecnopolítica e tecnopoiesis – configuram tentativas de compreender como tais tecnologias, por um lado, atualizam os horizontes socioeconômicos da qual emergem; e, por outro, programam nossas formas de pensar/perceber.

2. Hiperstição//narrativa + meme/

Em entrevista de 2009 para Delphi Carstens, Nick Land define a hiperstição do seguinte modo:

A hiperstição é um circuito de retroalimentação positiva que inclui a cultura como um componente. Ela pode ser definida como a (tecno-)ciência experimental das profecias autorrealizáveis. Superstições são meramente falsas crenças, mas as hiperstições – através de sua própria existência como ideias – funcionam causalmente para produzirem sua própria realidade. A economia capitalista é extremamente sensível à hiperstição, em que a confiança atua como um tônico eficaz e vice-versa. A ideia (fictícia) do Ciberespaço contribuiu para o influxo de investimentos que rapidamente o converteram em uma realidade tecno-social.15

O conceito surge no âmbito da CCRU (Cybernetic Culture Research Unit – grupo para-acadêmico fundado por Nick Land e Sadie Plant e que esteve em atividade entre 1995-2003) da junção das palavras [hyper] + [superstition] – e remete a circuitos de “ficções que se fazem reais”.16 “Hiperstições”, diz a CCRU em outra passagem, “não são representações, nem desinformação ou mitologia”.17 O próprio real, para a CCRU, não se opõe ao ficcional – antes, trata-se do horizonte de realização/atualização (para usar uma expressão de Deleuze) do virtual/de múltiplas possibilidades ficcionais: “a realidade é compreendida como sendo composta por ficções – terrenos semióticos consistentes que condicionam respostas perceptivas, afetivas e comportamentais”.18 O conceito é útil para problematizar a relação entre as tecnologias digitais e aquilo que ordinariamente tem sido chamado de fake news/pós-verdade no horizonte político do capitalismo tardio. Se, conforme propõem Nick Land e a CCRU, a economia capitalista mostra-se extremamente “sensível” à hiperstição, há um horizonte de condensação/concentração que torna a fabricação de hiperstições função de uma atividade (para seguir com Niklas Luhmann) autopoiética no interior de um sistema de tecnologias. Na medida em que tal conglomerado torna possível a autonomia do sistema (a) e o processo de retroalimentação que dá origem às narrativas cibernéticas criadas a partir das inter-relações entre suas “unidades tecnológicas” de produção (Twitter; Instagram; WhatsApp; Youtube; TikTok; Facebook; Telegram etc.) (b), eu proponho chamá-lo de “fábrica de hiperstição”.

Em palestra proferida na mesa “Negacionismos” do evento Crise da história, assombros da memória – realizada virtualmente em setembro de 2021 pela UFT – João César de Castro Rocha aventou uma hipótese19: a de que o circuito de canais integrados da extrema direita bolsonarista seria um circuito exclusivo de retroalimentação positiva. A partir de uma leitura de Bateson, João César conclui que, para haver equilíbrio homeostático em um sistema, a retroalimentação negativa também deve importar – sem a qual ele entraria em colapso. De forma otimista – e diante dos apocalípticos resultados do negacionismo científico emplacado por Bolsonaro e suas redes durante a pandemia de Covid-19 no Brasil – o diagnóstico que traçou foi o de colapso do sistema (e do fim de uma dissonância cognitiva que, em última instância, produziu a morte). Infelizmente, acho que o diagnóstico estava errado – ao menos é o que sugerem os dados. Por exemplo, em relação ao QAnon, mesmo após o FBI tê-lo incluído – em um documento de 2019 – em uma lista de teorias conspiratórias consideradas ameaças potenciais de terrorismo doméstico20; mesmo após seu (tardio) banimento das redes sociais21; e mesmo após as consequências que se seguiram à invasão do Capitólio e derrota de Trump em 202122, a base de “fiéis” cresceu: de acordo com uma pesquisa do Public Religion Research Institute, de 14% da população estadunidense em março de 2021 para 17% em setembro do mesmo ano.23 No Brasil, o inquérito das Fake News – aberto em 2019 – ainda não foi julgado pelo STF24, e o TSE, apesar de ter reconhecido a ocorrência de disparos em massa da chapa Bolsonaro-Mourão nas eleições de 2018, julgou duas ações de investigação judicial eleitoral da chapa improcedentes.25 Enquanto pouco se fez para conter o avanço das campanhas digitais de desinformação, a influência digital do bolsonarismo cresce em força nas redes sociais: a audiência de Bolsonaro no TikTok, por exemplo, supera hoje, dia 26 de outubro, os 3.9 milhões de seguidores (em janeiro de 2022 Bolsonaro possuía um alcance ao menos 13 vezes maior que o de Lula no mesmo aplicativo – com vídeos que, somados, chegaram a bilhões de visualizações)26; e, no Twitter, Bolsonaro já conta com mais de 9.5 milhões de seguidores (contra os aprox. 5.2 milhões de Lula). A notícia da potencial compra do Twitter pelo apoiador de golpes nas Américas Elon Musk foi entendida pelos bolsonaristas, aliás, como uma vitória da liberdade de expressão: o que, seja em Trump ou Bolsonaro, trata-se de um código para a manutenção de circuitos favoráveis de – já podemos dizê-lo – hiperstição.

A pergunta que devemos encarar é: por que, mesmo com mais de 680 mil mortos, resultado de um fracasso assombroso no combate à pandemia de Covid-19; com o retorno da inflação e da fome (segundo levantamento do II VIGISAN, mais de 33 milhões de pessoas se encontram em situação de fome no país)27; com os aumentos quase semanais no preço dos combustíveis e gás de cozinha; com a inação do MEC diante do colapso absoluto da ciência e da pesquisa; em suma, do fracasso da administração pública em todos os níveis – a popularidade digital de Bolsonaro não dá sinais de arrefecimento? O que garante esta “blindagem” das narrativas bolsonaristas frente ao fracasso acachapante de sua gestão? Por que, afinal, uma quebra no suposto equilíbrio homeostático do sistema (como pressupunha a hipótese de João César) não conduz ao seu colapso?

Gostaria de arriscar, a partir de Nick Land, a seguinte hipótese: as redes digitais bolsonaristas constituem um circuito de hiperstição; o circuito opera como um sistema de retroalimentação positiva, como bem sugeriu João César, mas com a especificidade de que, neste tipo de sistema, não há um princípio de realidade que garanta algo como um double bind batesoniano: o sistema se perpetua integrando as contradições – continuamente – na metanarrativa que propõe. Ao contrário da cibernética de Norbert Wiener – e que pressupõe que processos de retroalimentação positiva, se não controlados, levam à destruição do próprio sistema – Land afirma que “a retroalimentação positiva de longo-alcance não é nem homeostática, nem amplificadora, mas escalativa. Onde modelos cibernéticos modernistas de retroalimentação negativa e positiva são integrados, a escalada é integradora ou ciberemergente”.28

Mads Rosenthal Thomsen formulou essa ideia da literatura mundial (cuja origem conceitual está em Goethe) como um sistema que opera por retroalimentação positiva, na medida em que constelações de obras atraem outros textos com características similares para sua órbita: “os cânones internacionais consistem em várias constelações de obras que compartilham propriedades de caráter formal e temático, em que obras canonizadas podem chamar a atenção para obras menos canonizadas, mas afiliadas, e atraí-las para a cena da literatura mundial”.29 Suspeito que o mesmo ocorra com as narrativas criadas por um sistema de hiperstição – a retroalimentação positiva funciona como um exercício de improv (em que os atores são sempre estimulados a avançar a partir das improvisações dos colegas), e as variáveis tornam-se (não importa quão aparentemente contraditórias) funções causais no presente. A metanarrativa é, nesse sentido, apenas a forma de fundo – e que vai se ampliando (ela é, lembremo-nos – escalativa) – da hiperstição. A sua outra forma (o seu instantâneo) é o meme.

Em tweet de 2019, Eduardo Bolsonaro compartilhou um vídeo publicado originalmente em maio de 2018 pelo canal de YouTube Brasileirinhos, intitulado “esporro do palhaço”.30 Na edição do vídeo, um sujeito com o rosto pintado e um nariz de palhaço diz:

[...] mermão, não é nem para bater nesses caras. Se depender de mim, não toca num fio de cabelo dos barbudinhos. Deixa nego gritar, chamar de fascista. [...] Os cara viraram feminista, comunista, essas porras, por que não tiveram a devida atenção em casa. [...] O que nós devemos fazer agora? Memes. Farmeme. Zoa. Os caras saem na rua, vocês vão lá zoar os caras pra caralho. [...] Zoa até esses caras terem vergonha de ser do PSOL, “eu sou do PSOL!!” mas ficar escondido. Até a foice e o martelo virarem um símbolo macabro que nem a suástica.


Tweet de Eduardo Bolsonaro de setembro de 2019.

Em outro tweet de 2019, Eduardo Bolsonaro diz: “será que sou um criminoso por esse humor político? Nunca imaginei que fosse falar isso, mas: seja resistência, faça memes!”.31 Para entendermos a diretiva, é preciso recuar. Em 2015, o termo “meme magic” difundiu-se pelo 8chan a partir da criação de dois sub-fóruns – /bmw/ (Bureau of Memetic Warfare) e /magick/. O termo refere-se à capacidade dos memes de produzir consequências reais para o mundo – retroativamente, os fóruns buscavam resgatar memes que teriam antecipado eventos no mundo real (trata-se da mesma lógica future proves past do QAnon).


À esquerda: Pepe the frog; à direita, tweet de Donald Trump de outubro de 2015.

Em 2016, a postagem número 77777777 no sub-fórum /pol/ (abreviação para Politically Incorrect) do 4chan – “Trump will win” – fez com que a comunidade de anônimos iniciasse uma campanha massiva online para eleger Trump. Como isso se realizaria? Através de chamado para uma “meme war”: projeto de produção (a partir do 4chan) e distribuição (para além do 4chan) de memes, com o objetivo de alcançar e influenciar os “normies” (não usuários).32 Um tweet de Trump de 2015 – em que ele próprio aparece caracterizado como Pepe the frog (meme que já circulava no 4chan ao menos desde 2008 como um avatar para ideias ultraconservadoras) – foi resgatado pela comunidade, que passou a associar a imagem de Pepe e Kek, uma onomatopeia coreana equivalente ao LOL (Laughing Out Loud) difundida no jogo World of Warcraft e que, no fórum /pol/, logo se ligou ao nome de um deus-sapo egípcio. Pepe então tornou-se um avatar do deus Kek, e ganhou um culto próprio na comunidade.33

A #Farmeme incentivada por Eduardo Bolsonaro, assim, é fenômeno homólogo ao que se movimentou durante a campanha e administração Trump, e, ao que tudo indica, chegou ao centro da cena política brasileira pela conexão Olavo de Carvalho x Steve Banon.34 Os memes – tanto aqui quanto lá – executam esta dupla função: por um lado, movimentam-se rapidamente nas comunidades digitais, abastecendo com fluxo inigualável um circuito tecnológico útil à extrema direita (Márcia Tiburi tem chamado de “tokens” as pessoas/símbolos vitimizadas pelos memes em campanhas digitais de difamação); por outro lado, cumprem com a função de atualizar com “instantâneos” a metanarrativa hipersticional. O movimento de retroalimentação – como a Wechselspiel do primeiro romantismo alemão – é o jogo entre o absoluto/a narrativa de fundo – e o fragmento – memético.35 O sistema codifica a opinião pública em algoritmos de recomendação (likes + shares + filter bubbles + echo chambers): a radicalização (alt-liteintellectual dark webalt-right) por exposição é o seu resultado individual; o coletivo, a produção do neofascismo.36

3. Tecno//política/poiesis/

Em Gramofone, Filme, Typewriter, Friedrich Kittler sugere que Hitler é tão inseparável do rádio quanto Kennedy é da televisão.37 Dominantes em eras distintas, o rádio e a televisão formataram a política para ser, respectivamente, radiogênica e telegênica. Neste ensaio, tentei argumentar que a guinada à direita que levou à presidência Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil não se faz compreender sem a atividade de um sistema autopoiético de hiperstição – e que se produz pelas inter-relações de um conglomerado de tecnologias digitais ao qual dei o nome de fábrica de hiperstição. Gostaria de discutir, por fim, alguns conceitos que, assim espero, permitirão vislumbrar funções complementares do modo de existência deste objeto.

Os conceitos de tecnopolítica e tecnopoiesis resultaram de uma tentativa de compreender como o conceito de “materialidade” – no horizonte teórico das materialidades da comunicação –, ainda que respondesse a Marx e ao que se produziu a partir de sua obra, havia sido despido de seu aspecto político. O resultado dessa investigação foi o entendimento de que o materialismo deve admitir, por um lado, uma tecnopolítica – o que, bem sinteticamente, diz respeito a como os dispositivos disponíveis em qualquer janela histórica reportam imediatamente às relações de produção da qual emergiram; na realidade, tais dispositivos seriam a sua forma condensada. A tecnopolítica designaria, portanto, os limites sociais da produção dos dispositivos, na medida em que estes são expressões da forma social dentro/a partir da qual foram produzidos. Por dispositivo quero designar, como o faz Agamben ao expandir o conceito foucaultiano, literalmente “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”.38 Por outro lado, o mesmo materialismo admite, como sua contraface, uma tecnopoiesis – e que diz respeito aos modos como os dispositivos conformam nossos sentidos/formas de percepção, designando, portanto, os seus modos de programação. Isso significa que dispositivos não são instrumentos/ferramentas passivos ou, parafraseando a crítica de Kittler a Marshall McLuhan, meros “pseudópodes” dos sentidos humanos. Na verdade, eles são, em si mesmos – para nós, suas superfícies de inscrição –, a materialização de todas as formas possíveis da experiência disponíveis para uma dada janela histórica. Evidentemente, isso torna a política uma parte imanente da estética: pois se os dispositivos programam constante e historicamente a percepção humana; se a percepção é, portanto, uma fabricação; os dispositivos materializam então a disputa política pela percepção.

O entendimento de que as tecnologias são instrumentos de programação dos corpos nos coloca em posição de perguntar quais forças políticas relevantes são postas em movimento por essas mesmas tecnologias. O conceito de ambiência [Stimmung], nesse sentido, torna-se instrumental: pois responde às sensações provocadas pela interação física entre o corpo e os dispositivos tecnológicos.39 Tais sensações jamais podem ser produzidas ou compreendidas separadamente dos componentes materiais que as “disparam”, e que remetem, portanto, ao atrito entre circuitos de input/output, cujo resultado é a produção de respostas fisiológicas (da percepção à resposta motora). Essas respostas possuem um duplo aspecto: por um lado, se expressam em reações individuais (como é o caso do Pizzagate); mas também possuem suas manifestações coletivas (invasão do Capitólio). Intensidade e êxtase – conceitos abordados no livro Vida da literatura40 – podem ser, nesse sentido, pensados como funções internas à dinâmica da ambiência. A intensidade, como sugere o teórico da literatura Hans Ulrich Gumbrecht, trata do aspecto individual; o êxtase, ao contrário, diz respeito a “situação a qual a intensidade pode nos conduzir, parece pressupor, implicar e produzir uma dimensão social”.41 Ambos (intensidade/êxtase) – o insight é de Flora Süssekind – podem também constituir forças negativas.42 Tais conceitos, quero crer, possibilitam avançar com a análise de fenômenos sociais como o fascismo/neofascismo como tipos ou formas de respostas da massa à tecnopoiesis do Capital (na direção de Elias Canetti em Massa e poder e do ensaio de Walter Benjamin sobre a reprodutibilidade técnica).43

4. Paralipômenos//

“Pessoal, esse é o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. E por que eu vou falar dele? Por que a Hungria é um exemplo de sucesso – de muito sucesso”, diz Eduardo Bolsonaro na terceira CPAC Brasil, realizada em junho de 2022 (braço brasileiro da estadunidense Conservative Political Action Conference), apontando para uma imagem que exibe o próprio deputado à esquerda e o primeiro-ministro da Hungria à direita. Descontraído, como quem fala para um público de cupinchas, Eduardo Bolsonaro reproduz a palestra de Viktor Orbán para a CPAC Budapeste (realizada em maio de 2022) – e que contou também com a participação virtual do deputado brasileiro em sua cerimônia de abertura. Orbán já foi chamado por Steve Bannon de “Trump antes de Trump”: não surpreende, portanto, que as suas doze regras para Cristãos conservadores alcançarem e consolidarem o poder ressoem a práticas e projetos também comuns aos governos Trump e Bolsonaro. Após passar rapidamente pelas três primeiras regras, Eduardo Bolsonaro diz: “e aqui a parte que eu mais gosto: tenha a sua própria imprensa”. Sobre a quarta regra, prossegue:

o Viktor Orbán, ele apanhava muito da imprensa esquerdista militante, tal qual o Jair Bolsonaro aqui no Brasil. E como é que essa realidade foi mudada? Foi mudada porque milionários húngaros ou eles compraram essas imprensas ou eles abriram as suas próprias. Então, o que era majoritariamente ataque, ou aquela crítica construtiva contra o seu governo, passou a dar voz a sua visão de mundo. Colocou no debate os problemas reais da população. Não ficava só naquele blábláblá esquerdista né [...] esses caras ficam torcendo contra o Brasil. [...] as tias do zap tiram o sono desses caras. Elas é que estão fazendo essa verdadeira revolução.44

O discurso emprestado de Viktor Orbán revela um núcleo de sustentação capaz de transubstanciar – para a própria Hungria de Orbán, para os EUA de Trump e o Brasil do Bolsonaro – “sua visão do mundo” (a visão alt-right) em “problemas reais da população”. Este núcleo se constitui pelo conglomerado de tecnologias digitais que propus chamarmos fábrica de hiperstição. Os ataques orquestrados às mídias tradicionais – inclusive as respostas da própria imprensa – funcionam como iscas/atratores para a órbita hipersticional própria do ecossistema de informações produzidas e disseminadas pela fábrica. É importante ressaltar que as informações que são veiculadas pelo ecossistema não são exatamente imunes/contrárias à exterioridade; mas são imunes aos efeitos negativos do real que, porventura, poderiam servir de contraponto à metanarrativa que se produz desde dentro (apontar para a negatividade/aquilo que no real oferta resistência = “torcer contra”). Isso porque a “realidade” produzida pela fábrica possui autossustentação, ou seja, se ressignifica continuamente a partir de sua órbita ficcional – na mesma medida em que se cumpre (ela sempre se cumpre) no real. Se a opinião pública, nesse sentido, converte-se em opinião dos algoritmos de recomendação – elemento comum/material da constelação tecnológica que possibilitou a ascensão do neofascismo; a sua contraparte “poiética” constitui-se em um imaginário que compartilha – em Trump, Orbán e Bolsonaro – de alguns elementos fundamentais. Um desses elementos, como já se deve antecipar, trata-se do mito do messias.

Nos EUA, a fábrica produziu, como vimos, a metanarrativa de uma rede satanista global (de pedofilia, tráfico de órgãos e de crianças) – composta por uma elite política/econômica/cultural ligada ao partido democrata – e que teria se infiltrado na estrutura do próprio Estado; Trump é construído, assim, como única liderança capaz de expor e punir esta suposta rede. O documentário recente do apresentador da Fox News Tucker Carlson – Hungary vs Soros: The Fight for Civilization (2022) – materializa a metanarrativa antissemita da Hungria como um paraíso conservador que resiste às investidas de George Soros – nas palavras do próprio Orbán, convertido em líder do último bastião da civilização ocidental cristã, “a Hungria é uma nação antiga, orgulhosa, mas do tamanho de um David, que se posiciona sozinha contra um Golias woke e globalista”.45 No Brasil, por fim, o bolsonarismo constitui-se na metanarrativa de enfrentamento ao comunismo (sua contraparte analógica está nas centenas de páginas do Orvil – libelo militar resgatado por João César de Castro Rocha que propõe narrar a “verdadeira” história do Brasil apagada por uma frente intelectual de civis esquerdistas) – em que o próprio Bolsonaro é ungido por um messianismo neopentecostal como o escolhido/único capaz de fazer frente ao projeto de uma suposta esquerda globalista/anticristã. Nos três casos, é indispensável a participação de alguma forma de ultranacionalismo cristão; daí a produção de um maniqueísmo escatológico que culmina na possibilidade da salvação; e, por fim, na emergência do líder como um herói messiânico.

O ultranacionalismo cristão costura transnacionalmente uma agenda reacionária comum a partir do slogan “Deus, Pátria e Família” (tema, a propósito, da CPAC 2022 em Budapeste) – e que, na prática, traduz valores cristãos em hostilidade aos direitos LGBTQIAPN+, das mulheres e grupos minorizados, racismo e xenofobia (a promessa de campanha de Trump em 2016 – de construir uma muralha na fronteira México/EUA – possui lastro na cerca construída pelo próprio Orbán em 2015 na Hungria, alegadamente uma medida contra os imigrantes muçulmanos). Internamente, os messias operam um conjunto comum de ofensivas que vem sendo caracterizado como soft fascism ou neofascismo: um esforço para eliminar as dissidências/criminalizar a oposição e controlar e/ou minar, desde dentro, instituições relevantes para a vida social e política nas democracias burguesas. Durante a pandemia de Covid-19, as reações foram divergentes – mas não por isso menos desastrosas: o parlamento na Hungria, de ampla maioria do Fidesz (partido de Orbán), aprovou o estado de emergência – o que, na prática, garantiu ao primeiro-ministro a prerrogativa autoritária de governar por decretos, sem nenhum contrapeso, inclusive parlamentar (o que ocorreu novamente em 2022 – com a justificativa da guerra na Ucrânia); nos EUA, Trump minimizou a ameaça, avançou com um projeto genocida de imunidade de rebanho, trabalhou ativamente para desinformar a população e atacou sistematicamente o trabalho do CDC (Centers for Disease Control and Prevention)46, contribuindo, assim, para que mais de um milhão de pessoas morressem da doença; no Brasil, o movimento negacionista encontrou mais que um propagandista – mas uma liderança formal – na pessoa de Jair Bolsonaro: o presidente desinformou sobre a doença e minimizou em inúmeras ocasiões a ameaça, combateu publicamente as medidas preventivas (uso da máscara, distanciamento social, etc.) e se tornou o marqueteiro de medicamentos para um tratamento precoce sabidamente ineficaz, além de ter contribuído para o espalhamento direto do vírus através de uma campanha genocida pela imunização de rebanho – como resultado, e de acordo com o balanço divulgado pela Fiocruz no início de 2022, a Covid-19 matou quatro vezes mais no Brasil que a média mundial.47

Quanto aos efeitos catastróficos da fábrica, a tragédia individual (de fiéis e não fiéis) retroalimenta as suas unidades tecnológicas – instagram/ twitter/ facebook/ telegram/ whatsapp/ youtube/ tiktok – e se converte em tragédia coletiva: o que se dá tanto pelas vias eleitoreiras (elegendo o messias da ocasião) quanto, quando o destino não se manifesta, pelo seu questionamento (a invasão do Capitólio em 2021 aparece, assim, como a resposta da fábrica à negativa do real: a explosão de violência de massa reafirma a própria hiperstição contra o “destino” que lhe é negado).

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* Guilherme Foscolo é professor do Departamento de Filosofia da UFSB
* Este ensaio é a versão reescrita e atualizada de dois outros textos que foram publicados em set/out de 2022 no website da editora N-1, intitulados, respectivamente, “Fábrica de hiperstição” e “Sobre falsos messias e o apocalipse real”.
1 Cf. MILLER, 2021.
2 Cf. GOLDMAN, 2016.
3 O website, YourNewsWire.com, de acordo com o proprietário – o próprio Sean Adl-Tabatabai –, é um canal de “notícias alternativas”; na prática, opera como um difusor de fake news para a alt-right. Cf. GODWIN, 2017.
4 Cf. SILVERMAN, 2016.
5 Cf. KANG; GOLDMAN, 2016.
6 Cf. HANNAH, 2021.
7 O Youtube – reduto de produtores de conteúdos em vídeo para a alt-right – foi um dos últimos a tomar medidas contra a veiculação de conteúdos de ódio/incitadores de violência. Cf. DWOSKIN; STANLEY-BECKER, 2020.
8 Cf. JACOBO, 2021. O movimento “stop the steal” foi apoiado, como se sabe, pelo próprio Trump. Para uma linha do tempo, cf. ATLANTIC Council’s DFRLab, 2021.
9 Cf. KAPLAN, 2019.
10 Cf. p.1-2 do relatório do inquérito policial n. 2021.0052061 (INQ STF n4874-DF), assinado pela delegada da PF Denisse Ribeiro, disponível em: OLIVEIRA, 2022.
11 Para uma tentativa de caracterização, cf. OLIVEIRA, 2019. O pavão misterioso se tornou também um meme – cf. “Pavão Misterioso” no Museu de Memes, disponível em: <https://museudememes.com.br/collection/pavao-misterioso>. Acesso em 26/10/2022.
12 Cf. RODRIGUES, 2019, e FILHO, 2019.
13 Cf. REBELLO, 2021.
14 MUGGAH, 2021.
15 LAND, 2009.
16 CCRU, 2015, p. 25.
17 CCRU, 2015, p. 164.
18 CCRU, 2015, p. 25.
19 A palestra está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IQwHuXpgnlQ>. Acesso em 26/10/2022.
20 Cf. WINTER, 2019.
21 Cf. GREENSPAN, 2021.
22 Até dezembro de 2021, mais de 725 pessoas envolvidas no evento da invasão foram presas. Cf. U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE, 2021.
23 A pesquisa levou em consideração a resposta dos entrevistados (mensurada em graus de concordância) em relação a três crenças fundamentais do QAnon: “1. The government, media, and financial worlds in the U.S. are controlled by a group of Satan-worshipping pedophiles who run a global child sex-trafficking operation; 2. There is a storm coming soon that will sweep away the elites in power and restore the rightful leaders; 3. Because things have gotten so far off track, true American patriots may have to resort to violence in order to save our country”. Cf. PPRI Staff, 2022.
24 O ministro do STF indicado por Bolsonaro, o “terrivelmente evangélico” André Mendonça, sugeriu inclusive o seu arquivamento. Cf. DOCA; MUNIZ, 2022.
25 “Apesar da improcedência das aijes, o colegiado ainda concluiu, por maioria, que houve disparos em massa organizados e executados por milícia digital intitulada ‘gabinete do ódio’, que visou promover a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e atacar seus adversários políticos.” Cf. VITAL, 2021.
26 Cf. TEIXEIRA, 2022.
27 Cf. II INQUÉRITO Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil, 2022.
28 LAND, 2011.
29 THOMSEN, 2008, p. 3.
30 Cf. o original no YouTube em: <https://www.youtube.com/watch?v=UwzIdWPk5iQ&lc=Ugw5sWv1at9wCZ4Uead4AaABAg>. Acesso em 26/10/2022.
32 Cf., a propósito da relação entre guerra cultural, fóruns eletrônicos, mídias sociais e a ascensão de Trump e da alt-right, o esclarecedor livro de Angela Nagle, Kill all Normies (2017).
33 Cf. <https://knowyourmeme.com/memes/cult-of-kek>. Acesso em 26/10/2022.
34 Cf., a este respeito, artigo de FELINTO; GRUSIN, 2021.
35 É curiosa também a semelhança que o grupo CCRU – e a forma de produção/apresentação dos seus escritos – guarda com o primeiro romantismo alemão e, marcadamente, com a revista Athenaeum.
36 Cf., por exemplo, pesquisa realizada pela UFMG: RIBEIRO et. al., 2020.
37 KITTLER, 2019, p. 24.
38 AGAMBEN, 2005, p. 13.
39 Cf. GUMBRECHT, 2012.
40 SÜSSEKIND; FOSCOLO, 2022.
41 Cf. o ensaio de Gumbrecht intitulado “A vida da literatura: intuições sobre corpos místicos, bliss e intensidade”, p. 24, em SÜSSEKIND; FOSCOLO, 2022.
42 Cf. o ensaio “Epifanias Negativas”, de Flora Süssekind, também em SÜSSEKIND; FOSCOLO, 2022.
43 Cf. CANETTI, 1995; BENJAMIN, 1987.
44 A palestra está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=M9LoTyfFXEM>. Acesso em 26/10/2022.
45 Cf. KOVÁCS, 2022.
46 Cf. o relatório do House Select Subcommittee on the Coronavirus Crisis, disponível em: <https://coronavirus.house.gov/news/press-releases/clyburn-trump-cdc-redfield-caputo-report>. Acesso em 26/10/2022.
47 Cf. o “Balanço de dois anos da pandemia Covid-19: janeiro de 2020 a janeiro de 2022”, disponível em: <https://portal.fiocruz.br/documento/boletim-covid-balanco-de-2-anos-da-pandemia>. Acesso em 26/10/2022.