Decolonialidade e estética: interdito, ressignificação e reestetização
Carla Milani Damião

Introdução

Essa exposição trata de uma relação de difícil discussão: decolonialidade e estética. O interesse amplo que se relaciona com questões mais específicas foi amadurecido em leituras de referência conhecida, discussões profícuas1, embora não exista ainda para elas um ponto final. A fim de lidar com a relação mencionada, parto de duas questões que parecem antecedê-la, quais sejam, o interdito e a ressignificação. A ideia de reestetização será uma tentativa de resposta à questão de como relacionar decolonialidade e estética. O assunto “decolonialidade” é teórica e historicamente vasto, composto de forma interdisciplinar, com aprofundamentos e discussões impossíveis de serem aqui apresentadas.

Um dos limites da discussão é, por um lado, a interdição de determinados termos historicamente marcados por carregarem sinais de violência, seja de opressão ou de discriminação; por outro, a ressignificação de termos que pode ocorrer por inversão retórica ou por um processo de transformação e reeducação afetivo-psicológica. A interdição busca diminuir e/ou eliminar sofrimentos individuais e coletivos. Sua dimensão é ético-política e afetiva. Alguns termos e expressões extirpadas do uso linguístico cotidiano criam a consciência do ato discriminatório, tornando o interdito uma norma coletiva que sinaliza o limite da injúria e do crime. Da norma ao uso cotidiano e punição há um largo espaço de arbitrariedade, o que incide sobre a necessidade do processo de reeducação coletiva e individual. A ressignificação depende efetivamente desse processo. A inversão retórica transita entre a ironia e o protesto, via a adoção do termo injurioso como arma de combate político, gritando por compreensão, com o risco de se tornar também violência às avessas ou uma contra violência.

Como exemplo, podemos historicizar o termo “raça” de forma a encontrar oscilações de sentido que podem levar do interdito à ressignificação. Antes, contudo, de empreender esta tentativa de historicizar o termo a fim de mostrar o gesto ressignificador como uma forma de reação politizada e uma ação de políticas públicas afirmativas que encontram argumentos fundamentais em Rita Laura Segato, gostaria de remeter brevemente à centralidade desse conceito para a teoria sobre colonialidade do poder de Aníbal Quijano (2005). Para Quijano, “raça” é um termo chave para a compreensão de como se deu historicamente a constituição do poder mundial capitalista moderno. Esse conceito serviu ao empreendimento colonial europeu ao se utilizar da classificação racial como meio para naturalizar os povos colonizados como inferiores, determinantes para o entendimento naturalizado de identidades socialmente subalternas. Uma classificação, portanto, criada e fortalecida no período de “descoberta” da América (do Norte).

A formação de relações sociais fundadas nessa ideia, produziu na América identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e redefiniu outras. Assim, termos com espanhol e português, e mais tarde europeu, que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de origem, desde então adquiriram também, em relação às novas identidades, uma conotação racial. E na medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com constitutivas delas, e, conseqüentemente, ao padrão de dominação que se impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população

Achille Mbembe chama essa condição de “estado de raça”:

[...] durante vários anos, o conceito de raça – que sabemos advir, à partida, da esfera animal – foi útil para, antes de mais, nomear as humanidades não europeias. O que nós chamamos de <<estado de raça>> corresponde, assim o cremos, a um estado de degradação de natureza ontológica. A noção de raça permite que se representem as humanidades não europeias como se fossem um ser menor, o reflexo pobre do homem ideal de quem estavam separadas por um intervalo de tempo intransponível, uma diferença praticamente insuperável.2

Enquanto Quijano enfatiza a formação de relações assimétricas de poder e de exploração de trabalho dos colonizados, de maneira a fundamentar um modelo de poder colonial instituído pelo projeto imperialista britânico na América do Norte como referência mundial, cujos reflexos são visíveis no ambiente global capitalista contemporâneo, tornando os negros a referência mais importante no modelo de exploração de trabalho3, ainda é possível ler no verbete “raça” da Enciclopédia de Filosofia da Universidade de Stanford as seguintes definições4, distanciadas da ênfase dada ao tema da ideologia da colonialidade que naturalizou a subjugação político-capitalista com motivos raciais em Quijano ou dos motivos tanatológicos voltados para a condição de subjugação ontológica em Mbembe.

Por mais que o termo “raça” em sentido biológico tenha sido politicamente combatido, criticado e interditado a partir de determinado período da história, principalmente (e justamente) quando os fenótipos são aplicados à supostas deficiências cognitivas, morais e a uma potencialidade criminosa, isto é, por questões políticas supremacistas, discriminatórias e violentas; o termo – no Brasil – continua a ser aplicado pelo IBGE5, acrescido do sinônimo “cor” (“raça ou cor”) e designado como um “indicador social” da população brasileira. Após a constituição de 1988, os cartórios de registros civis tornaram-se desobrigados a fazerem constar raça/etnia nas certidões de nascimento, a fim de se evitar a discriminação racial. No entanto, vinte e quatro anos após a promulgação da Constituição Cidadã, a lei nº 12.711/2012 criou a autodeclaração racial que permite ao participante de um processo seletivo público indicar sua identidade étnico-racial. A lei é destinada apenas aos candidatos que se autodeclararem pretos e pardos (ambos sob a designação geral de negros) e indígenas para vagas do Programa de Ações Afirmativas. É possível notar, portanto, nesse exemplo brasileiro uma mudança significativamente abrupta que passa do registro da interdição (no processo de identificação racial-biológica e ideológica) para o de ressignificação. Com qual propósito? É preciso ouvir a comissão encarregada do processo de ressignificação do termo que havia, certamente, se tornado sinônimo de violência e discriminação de populações ao longo da história. Por seu histórico, o uso afirmativo e político do termo torna-se, no entendimento de Rita Segato6, por um lado, um incômodo a qualquer segmento ideológico; e, por outro, um termo necessário para enfrentar o tema da colonialidade. Segundo afirma:

Todos os movimentos contra-hegemônicos mais importantes e convincentes do presente apontam, sem dúvida, nesta direção: a necessidade de desmascarar a persistência da colônia e lidar com o significado político de raça como princípio capaz de desestabilizar a estrutura profunda da colonialidade. Perceber a raça do continente, nomeá-la, é uma estratégia de luta essencial no caminho da descolonização.7

Podemos reunir inúmeras teorias à voz de Rita Segato, contundente ao afirmar o significado político, refeito do termo, como um mecanismo de reconhecimento da diferença e de ferramenta de descolonização. Em relação ao continente sul americano, Segato nomeia uma “orfandade genealógica” como condição da falta de estudos etnográficos capazes de reconstituir – não uma “raça biológica” ou “espécie” – mas um tipo de “raça variável”, imprecisa, formada com base na falta de consciência histórica. A não utilização do termo “raça” em sentido político indica, para a autora, um sintoma da colonialidade, desde o âmbito acadêmico aos operadores do direito constituidores das leis, pois não se quer admitir um racismo introjetado nas teorias que não supõem a diferença, que é não-europeia, ou a sugestão de um funcionamento estatal com mecanismos discriminatórios e racistas.

Luciana de Oliveira Dias8, ao refletir sobre as relações étnico-raciais no Brasil no contexto da requisição de universalidade dos Direitos Humanos, constata a existência contrária ao princípio de igualdade, de cidadania e direitos, ao identificar práticas de discriminação racial e racismo étnico-raciais, notadamente contra pessoas negras. A autora constata também que o fenômeno de miscigenação guiado pelo ideal de branqueamento da população, na condição de um processo assimilador e de “hibridismo cultural”9, não fez desaparecer a prática do racismo com base na identificação de fenótipos. Segundo afirma, “é [sempre] possível saber quem é e quem não é negro no ‘paraíso racial’”. Dias argumenta que a vulnerabilidade da população negra que historicamente sofre com a prática do racismo deve ser compensada pela inclusão em “espaços de poder e de tomada de decisão”10, não só para um fortalecimento político e social, mas para intervir e interromper o quadro de subalternização.

No processo de construção de uma sociedade nacional isenta de práticas racistas e com ideais e ações menos preconceituosas e discriminatórias aos negros, um ator se eleva como fundamentalmente importante por conta das diversificadas estratégias de resistência11 e de luta pela inclusão menos subalternizada dos negros, qual seja: o movimento negro. O movimento negro toma a “raça” (um construto sociocultural com pouca ou nenhuma base biológica) e, consequentemente, a identidade racial como importantes elementos de mobilização política.12 Nesse sentido, o movimento negro mostra-se de fundamental importância para a crítica da “democracia racial”, cujo processo histórico de branqueamento da população jamais conseguiu apagar as marcas da subalternidade do passado escravagista. Rita Segato acompanha o argumento de Luciana Dias na apropriação do termo “raça” rejeitado pela academia – cuidadosamente colocado entre aspas no artigo de Dias – para desvinculá-lo da cor negra, ao considerar que: “raça não seria uma qualidade inerente ao sujeito racializado ou, mais especificamente, ao seu organismo, mas uma forma de qualificar, ancorada no olhar que recai sobre ele”.13 A ressignificação da palavra “raça” é, como indica Dias, um “construto sociocultural” de mobilização política, uma identidade politizada, não uma espécie de “essência” que caracterizaria a identidade negra. Segato considera ainda que:

Num país como o Brasil, quando as pessoas ingressam em um espaço publicamente compartilhado, classificam primeiro –imediatamente depois da leitura de gênero binariamente, os excluídos e os incluídos, lançando mão de um conjunto de vários indicadores, entre os quais a cor, isto é, o indicador baseado na visibilidade do traço de origem africana, é o mais forte. Portanto, é o contexto histórico da leitura e não uma determinação do sujeito o que leva ao enquadramento, ao processo de outrificação. Por outro lado, ser negro como “identidade política” significa fazer parte do grupo que compartilha as consequências de ser passível dessa leitura, de ser suporte para essa atribuição, e sofrer o mesmo processo de “outrificação” no seio da nação.14

É nesse sentido que podemos ouvir Frantz Fanon ao refletir sobre o sofrimento psíquico gerado nesse processo de opressão racial, por um lado; e, por outro, sobre a importância do processo de ressignificação composto por uma crítica histórico-social e por um entendimento da opressão ou patologia que o racismo produz. A relação entre sofrimento psíquico e racismo em muitos estudos atuais (e anteriores) têm por referência os estudos de Fanon.15 O entendimento do corpo como um objeto que se move seguindo o comando das regras e normas do mundo branco traz de maneira inequívoca a questão da cor/raça no hábito do colonizado. Considerando o famoso prefácio que Sartre escreveu aos Condenados da terra, mesmo que ele se posicione na luta antirracista e anticolonial, Fanon critica seu entendimento dialético de superação desse momento particular de contradição, pois para ele o movimento de negação é a constância do homem negro, aprisionado que é ao seu corpo negro. Essa determinação racial, na esteira do pensamento de Fanon, faz com que outros autores identifiquem a questão racial como um problema exclusivo da negritude, embora o próprio Fanon seja crítico desse conceito.16 Mesmo assim, Fanon considera que a negritude representou “’o único fator capaz de derrubar interdições e maldições’ postas pelo colonialismo”.17 De acordo com Faustino:

Assim, Fanon reconhece a legitimidade histórica da luta antirracista e dos movimentos de afirmação cultural (FANON, 2010) na medida em que confrontam os valores racistas europeus. Se por um lado, “C’est le blanc qui crée le nègre”, por outro, reconhece que “c’est le nègre qui crèe la nègritude” (1968: 29), afirmando-se na luta por um reconhecimento objetivo de si.18

Linda Martín Alcoff, em sua obra Visible Identities: Race, Gender, and the Self, segue Fanon no argumento de que a discriminação racial é criada pela visão hegemônica branca. A “raça”, associada ao corpo, comporta elementos entrecruzados de opressão e de violência que são, ao mesmo tempo, internalizados e externalizados na visibilidade ou aparência, formando uma identidade social ambígua.

Minha própria identidade ambígua me tornou muito consciente das maneiras pelas quais a identidade pode abrir portas ou fechá-las, dar credibilidade ou retê-la, criar conforto ou produzir ansiedade. Assim como Rodriguez reivindica para latinos de pele mais clara, aqueles de nós que têm identidades raciais e étnicas híbridas ou mistas também geralmente entendem muito bem a natureza complexa e problemática da identidade social – sua mutabilidade e significado social caprichoso. As designações de identidade são claramente o produto de mapas cognitivos estudados e modos de percepção aprendidos. No entanto, eles operam através de semblantes e características físicas visíveis, e não se pode simplesmente “pretender ser superior” ou ignorá-las. Como Frantz Fanon coloca, “eu sou escravo não da ‘ideia’ que os outros têm de mim, mas da minha própria aparência” (1967, 116).19

Uma aparência racial entrecruzada com o gênero, formando uma identidade social ainda mais complexa e vulnerável. A visibilidade, “raça” e gênero, são os pressupostos de afirmação que passam pela composição de uma identidade consciente do olhar do outro sobre mim, ao qual passa-se a reagir afirmativamente.

Para Grada Kilomba, raça e gênero não se separam porque o papel de gênero participa da construção racista da figura. Por exemplo: “O mito da mulher negra disponível, o homem negro infantilizado, a mulher mulçumana oprimida, o homem mulçumano agressivo [...]”20, lista à qual podemos acrescentar a mulher brasileira sexualizada. Para Kilomba, não se trata de interseccionalidade21, mas de um efeito cumulativo, um duplo, triplo fardo, quando reunimos mulheres negras que experimentam racismo, sexismo e/ou lesbofobia.22 A autora e artista lusitana comenta a tese do “novo racismo” de Paul Gilroy que utiliza novos termos para exercitar formas de violência semelhantes. O racismo, diz ela, “mudou seu vocabulário”. Não se fala mais de “raças biológicas”, de raça superior versus raça inferior, mas de diferença de culturas, sendo a cultura um termo correlato ao de biologia e o de diferença, um correlato de hierarquia. Os que são “diferentes” não pertencem e nunca pertencerão à nação. O racismo passa a ser direcionado ao estrangeiro como aquele que é diferente e passageiro. As perguntas: “De onde você vem?”, “Por que você está aqui?”, “Quando você pretende voltar?” camuflam o racismo como diferença e territorialidade. A pergunta: “De onde você vem?”, segundo Kilomba, pressupõe o lugar “onde deveríamos estar”, tornando o visível, apagável novamente.23

Trata-se, segundo Denise Ferreira da Silva, em sua obra Para uma ideia global da raça de 2022, de uma lógica de subjugação racial que supõe tanto uma lógica da exclusão, quanto uma lógica da obliteração. Esse segundo tipo de lógica, da obliteração, é por ela explorada com atenção. A obliteração significa a eliminação completa.24 A lógica da exclusão permite a denúncia da discriminação, da violência contra o subalterno racial. Vários exemplos de obliteração podem ser elencados mas, para Silva, “o que está acontecendo no Brasil é uma intensificação da lógica da obliteração”, uma ação combinada com o “fim das últimas proteções trabalhistas remanescentes, bem como a eliminação dos direitos à terra garantidos constitucionalmente para as comunidades indígenas e quilombolas”. Impossível não enxergar o caráter racial de tal gesto de violência que visa a obliteração dos povos originários e de descendentes africanos.

A teoria de Denise Ferreira da Silva aproxima-se da crítica ao Esclarecimento (ou Iluminismo) e ao pensamento moderno ocidental, voltando-a para teorias sobre arte e políticas decoloniais, tendo em vista que a tradição desse pensamento conduziu a subjugação/obliteração dos povos indígenas e negros. As marcas dessa subjugação são visíveis na continuidade de uma violência racial permanente. O tema da invisibilidade, da exclusão e da obliteração mostram a condição de não-corpos como marca do processo de colonização e a permanência de injustiças e ações violentas no presente. A autora identifica uma falta de aprofundamento das críticas à subjetividade iluminista realizadas pela filosofia contemporânea e pelos estudos de gênero e/ou culturais. Essa falta diz respeito à não consideração radical do valor de “transparência” do eu no efeito de subjugação racial que incide sobre a exclusão e obliteração de outras subjetividades. Negar com radicalidade o pressuposto da subjetividade moderna e do conhecimento universal, como a promessa moderna não realizada e principal promotora de injustiças e violências sócio culturais, é uma tarefa tanto política quanto artística para a autora que, além de realizar experimentos artísticos, colabora com curadores e artistas que refletem sobre o racismo na arte contemporânea.

Em entrevista, Denise Ferreira da Silva discute como em suas obras utiliza as categorias do colonial, do racial, do capital e do Estado para entender o global. Uma leitura guiada não por uma relação de causalidade visando atribuição. Para a autora, o que se aplica ao “sujeito do conhecimento” não encontra correspondência na existência dos que foram submetidos à escravização por terem sido privados de qualquer processo de educação e de reconhecimento de direitos como a igualdade e a liberdade. A violência racial expõe a obscuridade do “eu transparente”, da impossibilidade do “eu soberano”, pois ao negro e indígenas, cujos corpos foram transformados em mercadoria, não era conferido um valor ético. Para a autora, o pressuposto da universalidade e da transparência do eu representam um problema lógico, epistemológico e político quando não é notado como um problema a ser superado, passando a ser adotado pelas políticas da diferença. Reivindicar “reconhecimento” e “inclusão”, sem a crítica à subjetividade moderna, pode resultar não na escuta das vozes sujeitas à subalternidade, mas criar um enfraquecido “balbucio político” que ainda clama pela inserção da diferença no “reservatório universal da humanidade.

O discurso dos “oprimidos” e “condenados”, em alusão a Paulo Freire e Frantz Fanon, para Denise Ferreira da Silva, é criticável nesse sentido. A resposta da autora é tão marxista quanto as respostas deles, mas supõe uma proposta de modificação do materialismo histórico. Sem conseguir abordar sua análise com profundidade, as diferenças principais referem-se aos limites das críticas de Freire e de Fanon, das quais a autora parte, a fim de propor uma crítica racial do capitalismo para além da crítica colonial de Fanon, sendo que, em Freire, não haveria diretamente uma crítica racial, mas de classe social. A necessidade de uma crítica racial parte da verificação da ausência de uma crítica racial no materialismo histórico. Para a autora, a estrutura marxiana não comporta essa crítica porque a noção de autoconsciência/subjetividade não comporta a racialidade, ignorando o sujeito racial subjugado. A subjugação racial, portanto, é separada da subjetividade universal, como o ser predominante na sociedade capitalista/moderna, sendo diferente da classe operária pós-revolução. É nesse sentido que a autora afirma que há uma “dívida impagável” que não se esgota no período colonial que utilizou a escravização como meio de enriquecimento. O valor econômico deve ser confrontado como valor ético a fim de se romper com um “circuito perverso” que permanece ativo. A ideia de “dívida impagável” funciona como uma resposta a esse confronto, de forma a romper “circuitos históricos e teóricos fechados”. Na crise econômica de 2007, comenta a autora, atribui-se a causa da crise econômica aos empréstimos feitos a pessoas negras e latinas que teriam sido “eticamente culpadas pela crise”. Na crise econômica global, a racialidade, afirma a autora, “alcançou um grau inimaginável”. Por esse motivo é preciso reconhecer o valor econômico reunido ao valor ético na associação com a racialidade, cujos mecanismos hostis de exclusão permanecem ativados no contexto pós-colonial histórico, tornando a subjugação racial o elemento em funcionamento na política liberal do pós-iluminismo.

Em seu livro publicado em inglês em 2007, traduzido recentemente, em 2022, sob o título Homo modernus. Para uma ideia global de raça, a autora propõe apresentar “um compromisso com o conhecimento do aparato –as ferramentas científicas do conhecimento racial – que produz o sujeito desta questão”. É por meio do conhecimento desse aparato, da “escavação” dos pressupostos que compõem a subjetividade moderna, que a autora pretende expor as condições de permanência do racial nas condições de vida e de produção pós-colonial. A reivindicação da obliteração da diferença racial em nome de uma razão universal esconde as causas da subordinação dos “outros da Europa”, que “residem em suas características físicas e mentais (morais e intelectuais)”. Muitos exemplos poderiam ser sugeridos, bem como o aprofundamento teórico e filosófico que a autora expõe em seu livro, que se preocupa em oferecer ferramentas ao leitor na compreensão do cenário econômico, político, social e ontológico, criado no período da cunhada “globalização”.

Na contrapartida desse cenário, o discurso da fronteira de Grada Kilomba não omite a questão do “eu transparente” postulado pela filosofia moderna. No entanto, não se trata mais do “quem sou” – o que inclui o “onde estive-estou” – mas da proveniência racial e cultural inserida em um contexto geopolítico que construiu barreiras. A perspectiva histórica e racial, portanto, marca a distinção com a afirmação da essência ou natureza subjetiva. Pode-se ainda pensar que o discurso do eu essencial tornou-se peça de museu frente ao entendimento do devir, do “tornar-se o que se é”, desde o final do século XIX, com Nietzsche, tomando diferentes formas em diante, até alçar a negatividade autoproclamada do eu em função da exposição de um tipo de percepção inserida em um contexto histórico no qual podemos encontrar talvez Walter Benjamin, como uma espécie de “eu” fronteiriço. O discurso que coloca a fronteira é pertinente para falar ainda sobre o interdito e sobre o limiar entre a ressignificação e a reestetização.

O pensamento de Walter Benjamin tem auxiliado na composição de teses, projetos25, artigos 26, eventos27 , obras28, curadorias, que visam a recomposição de uma memória não oficial e autoexplicativa, mas crítica e anticolonial. É factível notar a ideia da “memória à contrapelo”, por exemplo, na releitura crítica da Semana de Arte Moderna de 1922, na exposição ocorrida no Theatro Municipal de São Paulo (18/04/2022), cujo título é justamente Contramemória, com curadoria de Lilia Schwarcz, Jaime Lauriano e Pedro Meira Monteiro:

Contramemória é uma exposição que pretende reler e traduzir criticamente, para o contexto atual, o ambiente cultural da Semana de Arte Moderna de 1922, realizada no Theatro Municipal de São Paulo, 100 anos atrás. O movimento tinha a intenção de varrer o passadismo – combater o darwinismo racial ainda em voga, assim como o parnasianismo literário e o academicismo artístico. No entanto, passado um século, fica evidente o perfil de classe, gênero, sexo e raça que uniu os participantes, nesta que foi uma semana de arte moderna em São Paulo e não de São Paulo. A exposição conta com aproximadamente 117 obras, entre pinturas, vídeos, esculturas, desenhos, objetos, entre outras linguagens artísticas. [...] O grupo, formado majoritariamente por pessoas ligadas às elites do café, tinha trânsito na Europa e conhecia as vanguardas artísticas que por lá faziam sucesso. E trouxe para cá uma lufada de novidades – essa possibilidade de o país se “descatequizar” e se “abrasileirar”.29

Sem o espaço necessário para comentar as obras escolhidas para a exposição, é possível indicar gestos ou movimentos de ressignificação, seja da própria Semana de 1922, seja de monumentos, como o Monumento às Bandeiras no Ibirapuera. Monumento que recebeu algumas ressignificações30, uma delas presente na exposição: o vídeo Ibiritaquera (2020) de Pedro França.31 A reivindicação de Paulo Galo, ao assumir o incêndio do monumento ao bandeirante Borba Gato em São Paulo, e “abrir um debate” sobre a memória genocida, inclui-se nesse movimento de ressignificação.32

É muito importante ressaltar que, se o pensamento de Benjamin inspira “artivismos” pós e decoloniais, nem sempre a temporalidade entrecruzada é visível em construções narrativas e representações que retornam ao monumental. A subjetividade negativa benjaminiana, de forma semelhante, passa a constituir-se como narrativa empática, sem o necessário distanciamento para o qual Benjamin chama a atenção. Não se trata de re-erguer monumentos com novos heróis, tampouco de criar uma narrativa do coração nos moldes do essencialismo e da autodeterminação. Nesse sentido, retorno a Denise Ferreira da Silva, quando nos diz:

[...] ao invés de localizar o lugar de emergência dos sujeitos raciais subalternos em uma fenda temporal, implantando uma boa versão de historicidade, que incluiria suas “histórias submersas”, minha opção aqui foi mapear a representação moderna, onde localizo as estratégias político-simbólicas que produziram as outras Europas como sujeitos subalternos modernos. Com isso eu não estou dispensando intervenções pós-coloniais como irrelevantes. Em vez disso, escrevo contra os limites de (sua crítica da) historicidade, que se baseia na construção modernas da distância como metáfora temporal para circunscrever o lugar de emergência do colonizado como um eu transparente. Minha esperança aqui é contribuir para uma complexificação deste argumento recuperando a conotação espacial da distância, o que só é possível se lermos o antes, onde o racial e o cultural escrevem os outros da Europa como efeito de significantes de exterioridade, de estratégias simbólicas para instituir uma particularidade que não pertence ao tempo, que ameaça a história porque recupera a relação adiada na representação moderna.33

Os limites da crítica à historicidade, justamente, podem instituir o que seria menos apropriado ao pensamento de Benjamin. Não se faz “história a contrapelo” com a narrativa que substitui o vencedor pelo vencido, com base no sentimento de empatia e da construção de uma identidade coesa, enraizada e transparente. Os “outros da Europa” de Denise Ferreira da Silva pertencem à lógica da obliteração, do apagamento, não apenas da lógica da exclusão. É nesse último aspecto que apontamos para o tema da reestetização. Não precisamos recorrer a Benjamin e aos extremos do ensaio sobre a obra de arte que opõem a estetização da política à politização da arte. Para essa discussão recorremos a alguns capítulos do livro A promessa cultural do estético 34 de Monique Roelofs a fim de tratar do processo de racialização de produções estéticas, da relação entre gosto e raça, de nacionalismos estéticos racializados e projetos de reestetização que comportam promessas e ameaças. As ameaças podem ser entendidas na perspectiva da lógica da exclusão dos “outros da Europa” e o que diga respeito à constituição do gosto e das representações simbólicas.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que Roelofs constrói sua crítica à Estética Moderna efetivando uma ampliação da categoria do “estético”, o qual toma como um fenômeno generalizado que se encontra, além da esfera das artes, em nosso cotidiano. No enredamento com o estético, por meio de relacionalidades e endereçamentos, Roelofs considera as teorias estéticas e práticas artísticas sob a perspectiva das promessas e das ameaças. Nesse panorama criado pelo estético, a autora se volta ao pensamento decolonial, particularmente guiada pela perspectiva do feminismo racial crítico.

Ao partir de um terreno comum às críticas de feministas35, o que inclui a crítica de Denise Ferreira da Silva, Roelofs considera a Estética Moderna – particularmente as teorias de Hume e Kant – ao partir do questionamento sobre como a possibilidade do universal do juízo estético, tornou-se objeto de crítica, pois muitas são as falhas detectáveis nos textos e na pretensão de universalidade do juízo que pressupõe a publicidade. Com certa obviedade, a autora afirma sobre a crítica que essas teorias recebem:

A suposição de uma mentalidade comum e a universalidade proporcionada por nossas propensões compartilhadas nos dizem pouco sobre as condições empíricas sob as quais as experiências e juízos estéticos tomam forma. Quase nada dizem sobre a influência que matrizes institucionais de observação, sentimento e desejo, do poder e da linguagem que exercem sobre os significados com os quais investimos as formas estéticas nas comunidades humanas reais.36

A despeito das críticas e da obviedade que apresentam, as teorias continuam ativadas como promessas de que as “atividades estéticas conectam pessoas, bem como pessoas e objetos, em florescente vínculo coletivo e material. Esse projeto estético seria uma versão do tipo de obra pública realizada pelo estético”.37 É o aspecto público e político que fortalece a promessa e o interesse nas teorias. O que foi excluído ou obliterado nessa promessa? A promessa possui endereço, endereçamento e remetente, quando se nota – nos próprios textos – o contexto europeu, branco e masculino no qual esta foi constituída. Na exploração do simbólico não-europeu, a autora, que certamente é mais fronteiriça do que europeia, encontra os elementos da ameaça caracterizada pelas lógicas da exclusão criadas pela colonialidade europeia. É importante notar os meandros da promessa que adquire contornos não europeus e ampliam a capacidade de publicidade estética das teorias estéticas modernas. Se há limitações, a promessa não elimina o compromisso de realizar projetos simbólicos e culturais.

No segundo capítulo de seu livro, a autora aborda a perspectiva aparentemente dual que conecta racialidade, estetização e reestetização. Os conceitos que impedem estabelecer um dualismo entre racialização estética e estetização racializada são os de relacionalidade e de endereçamento, movimentos que apresentam configurações raciais estetizadas que são reagrupadas e reenderaçadas de forma a desfazer (ou ressignificar) a configuração tradicional. Das estruturas tradicionais combatidas podem surgir novos “quadros de relacionalidade e endereçamento, colocando em prática promessas estéticas alternativas e enfatizando ameaças estéticas pouco exploradas, ao mesmo tempo em que reagrupam configurações raciais tradicionais”.38

O entrelaçamento entre estética e raça torna-se o suporte sob o qual estratégias implementadas que refazem ou reestetizam “sistemas relacionais” mesclam promessas e ameaças. Mesmo que as palavras “branquitude” e “negritude” estejam posicionadas como dualidades, bem como a estética moderna frente aos projetos de reestetização que comportam a crítica ao modelo tradicional, a autora alerta para a mobilidade e abertura relacional entre elas.39 A autora tece um extenso comentário sobre como as teorias de Hume e de Kant estetizam a branquitude neste capítulo. Uma crítica que pode ser ampliada a Burke e sua concepção de sublime40 em relação à escuridão e à negritude. Na reunião entre gosto e cultura, Hume responde por uma racialização estética que emana dos efeitos de cultivo de gosto, aplicando-a a indivíduos e nações. “As funções civilizacionais do gosto ganham uma propensão caracterizada por um desejar que estimula novas rodadas de estetização racializada”.41 Hume termina por reunir “estetização racializada e racialização estética em estreita colaboração”. Os traços antropológicos da teoria de Hume atingem culturas, gênero e raça. Kant, em suas observações antropológicas, refere-se a Hume e atribui características culturais que repetem a relação entre estetização e racialização. Sob a perspectiva antropológica, com relação à genderificação, há uma evidente preferência pelo intelecto e gosto masculino em ambos os filósofos. Uma conjunção que reunirá gênero, “raça” e nacionalidade como a referência hierarquizada da boa crítica. O público será guiado pela casta de bons críticos na indicação de composição de um padrão possível de gosto. Nesse sentido, conclui a autora:

A racialização do gosto prolifera no plano do coletivo. O gosto apoia o cultivo de sujeitos brancos de classe média e, no nível societário, fortalece a sociedade civil branca. A estetização racializada (a exclusividade racial do gosto) promove a racialização estética (a posição civilizada racialmente exclusiva gerada por meio do gosto).42

Roelofs expõe a proximidade tanto da antropologia quanto da estética kantiana à de Hume, com as ressalvas possíveis que separam o texto de juventude de Kant “Observações sobre o sentimento do belo e do sublime” e a terceira crítica, a Crítica da faculdade do juízo. A análise que se segue diz respeito à inversão dos quadros históricos de racialização estética e estetização racializada, por artistas e escritores. Entre esses, Roelofs examina Jamaica Kincaid, Agnès Varda e Frantz Fanon que, ao se voltarem para atividades estéticas cotidianas, revelam estruturas relacionais alternativas, de maneira a ajustarem promessas estéticas e destituírem delas suas ameaças.43

No entanto, diz a autora, ao transformarem as concepções de agência estética e modificarem as ordens de percepção, criação e troca, “esses teóricos e artistas também limitam as possibilidades culturais inerentes ao estético e evitam os laços complexos entre a estética e a raça de maneira que lembram Hume e Kant”.44

Não vamos desenvolver a crítica formulada a cada artista/autor(a) em particular, mas notar que o ajuste da relação entre promessa e ameaça é tênue e incompleto, de forma a ser possível observar uma ênfase maior da promessa e um movimento de obliteração inerente a ela. Essa talvez seja a maior descoberta do mecanismo da proposta que lemos em Roelofs que, mesmo diante da exposição da ideia primorosa de uma “promessa quebrada”, exemplar em Adorno e Clarice Lispector45, é ainda possível encontrar sinais de ameaças. O capítulo 7, cujo título é “Nacionalismo estético racializado,” torna o tema menos direcionado à dualidade racial da branquitude e da negritude. A crítica direcionada por Rosalind Krauss e Arthur Danto à série de pinturas e desenhos do artista colombiano Fernando Botero sobre as fotografias (selfies) de tortura dos prisioneiros iraquianos por militares norte-americanos na prisão de Abu Ghraib tornam-se o foco de uma discussão profícua entre o racial, a propriedade e o nacionalismo estetizado.

Conclusão

Para Roelofs, “Botero reestetiza criticamente a violência maliciosamente estetizada. Ele faz isso, em parte, absorvendo o espectador em um tipo distinto de humor”.46 Sua interpretação, nesse sentido, não desvaloriza o grotesco como estilo, como Krauss e Danto fazem ao criticarem a obra de Botero. Ao contrário, percebe elementos de crítica política capazes de denunciar o nacionalismo racializado, de forma a criar uma mimese disruptiva, e uma transformação de modelos em forma de relacionalidade e de endereçamento público. A potencialidade de sua crítica é de grande auxílio para desvendar mecanismos de colonialidade, racialidade e decolonialidade nas teorias estéticas e na proposta de ampliação dessas para o estético. Sua teoria aponta para além dos mecanismos opressivos de modelos econômicos e sistemas políticos subjugadores, excludentes e obliteradores da parte do mundo identificada geopoliticamente como sul global nas teorias decoloniais. Internamente, sua crítica dribla dualismos estanques e autofágicos, superando o interdito característico de dualismos que ainda partem do fundamento da subjetividade moderna. No entender de Denise Ferreira da Silva, este seria o maior problema das teorias identitárias: a crença na transparência do eu.

Iniciamos com a discussão sobre a ressignificação do termo “raça” para indicar o movimento semelhante da reestetização. Esses movimentos comportam sutilezas e nuances, o que difere do gesto de interdição que pode ter um alcance político. Voltando à discussão que Rita Segato faz de “raça” como signo, é possível perceber outras nuances que tornam o termo não apenas mais complexo, mas histórica e socialmente localizado. Assim ela encaminha sua conclusão sobre sua premissa e título de seu artigo - “Raça é signo”:

O que quero dizer é que as classes, enquanto grupos de sujeitos inseridos de forma particular no sistema produtivo e, portanto, enquanto sujeitos, dotados, em teoria, de mobilidade, se transformam em grupos de sujeitos marcados, isto é, inscritos por traços indeléveis, percebidos como orgânicos ou determinados por uma natureza, que exibem sua localização na escala social e sua ancoragem em posições estruturais. As posições, enquanto afloramento de relações estruturais, têm rosto. A moderna racionalidade de classes se desliza para uma racionalidade pré-moderna e perene de castas e status relativos que se expressam na marca étnica ou racial. O sujeito passa a perceber-se cativo de uma armadilha sociológica concebida como oriunda e determinada por estrutura estável, a-histórica. Este efeito de a-historicidade alcança as visões estruturalistas da mente, da psique e da cultura, que aprisiona os signos numa paisagem inerte e inapelável.47

O regime de cotas, tão polemicamente implantado no Brasil, reflete a alternância do que Segato chama de “armadilha sociológica” erguida com base em uma “estrutura estável e a-histórica”. Essa alternância mostra o que há de particular no racismo classista brasileiro e sua eficácia política que atinge a sociedade para além dos muros da Universidade que recebe discentes-cotistas, operando uma mudança de valores sociais e relações de classe. Por extensão, podemos perceber, no processo de reestetização, a alternância de valores que reúnem arte e política de forma crítica: seja a própria obra de arte um empreendimento crítico, ou a crítica de arte que Roelofs faz, reveladora dos aspectos etnocêntricos que guiaram uma crítica preconceituosa como no caso indicado da obra de Botero. A transformação operada pela crítica e pela ação de políticas sociais efetivas, como o regime de cotas, é de fundamental importância para o processo de desconstrução de hábitos e costumes que refletem a história escravagista brasileira de forma a compor novos signos que mostrem a revolução histórica efetivada por meio de ações públicas e políticas. Por fim, a arte e a crítica de arte podem contar de novo a história, ressignificar de forma a constituir um presente no qual a opressão não será mais invisível.

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* Carla Milani Damião é professora do Departamento de Filosofia da UFG
1 Sou particularmente grata às colegas do GT de Estética da ANPOF, Débora Pazetto e Rachel C. Oliveira, pela interlocução em nosso último encontro do GT em Salvador. Sou, sobretudo, grata à interlocução com Alice de Carvalho Lino Lecci, sem a qual não teria avançado na compreensão do assunto que ora abordo.
2 MBEMBE, 2017, p. 39.
3 A crítica formulada por Quijano possui o mérito de indicar que, sem o processo de exploração criado pela escravização, o modelo capitalista eurocêntrico não teria obtido o êxito que transformou a América do Norte em modelo econômico e político global. Por isso, justifica que era “[...] sobretudo, a raça [negra] colonizada mais importante, já que os índios não formavam parte dessa sociedade colonial” (QUIJANO, 2005, p. 117). O foco voltado para a cena global do capitalismo não elimina as diferenças e, embora fosse importante ressaltá-las, não será possível realizar nesse momento e na extensão desse texto.
4 “O conceito de raça historicamente significou a divisão da humanidade em um pequeno número de grupos com base em cinco critérios: (1) As raças refletem algum tipo de fundamento biológico, sejam essências aristotélicas ou genes modernos; (2) Essa base biológica gera agrupamentos raciais discretos, de modo que todos e somente apenas os membros de uma raça compartilham um conjunto de características biológicas que não são compartilhadas por membros de outras raças; (3) Esta base biológica é herdada de geração em geração, permitindo aos observadores identificar a raça de um indivíduo através de sua ascendência ou genealogia; (4) A investigação genealógica deve identificar a origem geográfica de cada raça, normalmente na África, Europa, Ásia ou América do Norte e do Sul; e (5) Essa base biológica racial herdada se manifesta principalmente em fenótipos físicos, como cor da pele, formato dos olhos, textura do cabelo e estrutura óssea, e talvez também fenótipos comportamentais, como inteligência ou delinquência” (JAMES; BURGOS, 2022 . Tradução nossa).
5 Cf. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTASTÍSTICA, 2018. f
6 Rita Segato foi coautora da primeira proposta de cotas para estudantes negros e indígenas na educação superior no Brasil.
7 SEGATO, 2021, p.255, grifo nosso.
8 DIAS, 2012, p. 9.
9 CANCLINI, 2003.
10 DIAS, 2012.
11 ORTNER, 1995.
12 DIAS, 2012, p. 10.
13 SEGATO, 2005, p. 4.
14 SEGATO, 2005, p. 4.
15 Cf. FAUSTINO, 2015.
16 A esse respeito ver: FAUSTINO, 2015, p. 81-89.
17 FAUSTINO, 2015, p. 83.
18 FAUSTINO, 2015, p. 83.
19 ALCOFF, 2006, p. 9.
20 KILOMBA, 2019, p. 94.
21 Interseccionalidade, um conceito criado por Kimberlé Crenshaw em 1989 ao se referir a uma interseção entre identidades sociais em situações diferentes.
22 KILOMBA, 2019, p. 98.
23 KILOMBA, 2019, p. 113.
24 O sentido de obliteração pode entrar em diálogo com Mbembe (2018, p.v27), quando afirma que da perda de direitos gerada pela condição de escravização colonial gera a própria “morte social”: “a condição de escravo resulta de uma tripla perda: perda de um lar, perda de direitos sobre seu corpo e perda de estatuto político. Essa tripla perda equivale a uma dominação absoluta, uma alienação de nascença e uma morte social (que é expulsão fora da humanidade)”.
25 Cf. Demonumenta, um projeto da FAU USP que propõe um debate aberto sobre a colonialidade embarcada nas instituições, monumentos, arquiteturas e acervos públicos. “Do monumento ao monumento negativo” (<https://www.youtube.com/watch?v=8MlipEcCsdk>).
26 Cf. GAGNEBIN; DAMIÃO, 2017.
27 Entre eventos organizados, ver o evento online, promovido pelo Núcleo de Investigação em Histórias da Arte – NIHA: Arte e monumentos: entre o esquecimento e a memória, 29/06 à 03/07/2020 (<https://www.youtube.com/watch?v=eOK6sQMyYg8>). Organização de Paulo Duarte Feitoza e Rubens Pilegi da Silva.
28 Entre artistas que participam da discussão e realização de obras que remetem ao questionamento da monumentalidade da memória edificada em monumentos, ver Néle Azevedo e sua concepção de Monumento Mínimo (<https://www.neleazevedo.com.br/monumento-minimo>).
29 Apresentação da exposição Contramemória. <https://theatromunicipal.org.br/pt-br/evento/exposicaocontramemoria/>.
30 Cf. FERRARI, 2017.
31 <https://vimeo.com/461552665>.
32 <https://www.youtube.com/watch?v=wWUeLHkKKtw>.
33 SILVA, 2019, p. 94.
34 Daqui em diante, todas as citações de The Cultural Promise of the Aesthetic são de minha autoria.
35 Cf. KORSMEYER; WEISER, 2021.
36 ROELOFS, 2015, cap. 1.
37 ROELOFS, 2015, cap. 1.
38 ROELOFS, 2015, cap. 2.
39 Na nota de rodapé nº 1 do capítulo 2, Roelofs diz: “Categorias de negritude, branquitude e outras identidades raciais e étnicas (assim como as noções de gênero, classe e sexualidade com as quais essas classificações se cruzam) significam coisas diferentes em Hume e Kant. Como seus conteúdos e implicações variam entre os contextos culturais contemporâneos, não há um léxico unívoco, aplicável de modo geral ou atual, no qual essas denominações possam ser traduzidas. Meu objetivo, portanto, não será apontar a exata importância da terminologia racial de Hume e Kant, mas investigar o funcionamento estrutural das estratégias de diferenciação racial em suas teorias, com foco em fundamentos estéticos e reverberações desses modos”.
40 Cf. ARMSTRONG1996; e DAMIÃO, 2016, p. 219-234.
41 ROELOFS, 2015, cap. 1.
42 ROELOFS, 2015, cap. 2.
43 ROELOFS, 2015, cap. 2.
44 ROELOFS, 2015, cap. 2.
45 Cf. ROELOFS, 2015, , cap. 8, “Promessas e ameaças estéticas”.
46 ROELOFS, 2004, p. 170.
47 SEGATO, 2005, p. 10.