1. Uma arte pública de lugar e tempo
Arte pública é um paradoxo de acordo com os padrões da arte modernista e da teoria estética. A estética filosófica moderna foca quase que exclusivamente na experiência subjetiva e em uma mercantilização da obra de arte. A arte é tida como o produto de um ato de expressão individual e autônomo, e sua apreciação é, do mesmo modo, um ato privado de contemplação. Em contrapartida, como um fenômeno público, a arte deveria implicar na autonegação do artista em respeito ou reverência ao coletivo. É interessante observar que a arte reconhecida em quase toda cultura, incluindo a tradição cultural ocidental europeia anterior à Renascença tardia, abrange apenas um modelo coletivo, entendendo as diferenças individuais como variações nas manifestações de um espírito comum. Os aclamados tesouros gregos e romanos, bem como as obras de arte cristãs da Idade Média e da posterior Era dos afrescos, não exaltam a visão privada dos artistas individuais tanto quanto evidenciam valores e convicções compartilhados de comunidades culturais, e é assim que são encontrados nos edifícios e nas áreas abertas, onde pessoas se reuniam regularmente para celebrar esses mesmos valores e convicções. Privacidade foi por séculos um conceito negativo [privativ], demarcando a experiência dissociada e limitada de pessoas postas abaixo do nível de humanidade social plena.1
O Modernismo, com sua exaltação do indivíduo, inverteu essa ordem, investindo no caráter original da personalidade e considerando o social como um agregado derivativo. Sua representação de arte, consequentemente, privilegia aquilo que é irredutivelmente pessoal. A estética do Modernismo tem unido a arte com a consciência subjetiva e a expressão, e com uma nova construção de liberdade baseada na posse dos direitos libertários. Em sua defesa, partidários de Kant até hoje têm dotado a arte com uma função libertária, construída conceitualmente a partir de uma fusão de independência artística (a genialidade livre de regras) com uma autonomia política (a ausência de coerção heterônoma). O indivíduo autônomo, exaltado na figura do artista e, posteriormente, no objeto criado, transcende o público, para o qual um benefício emancipador é vicário e derivativo.2 A arte em questão, contudo, não é explicitamente aquela do ego tribal ou do artista (público) que reflete a cultura de uma comunidade, mas aquela da autoafirmação (privada) individual.
A rigor, nenhuma arte é “privada”. Mesmo aqueles ensaios censurados, destinados às chamas, frustrando seus próprios autores, foram, presumidamente, feitos para publicação, embora retidos. Mas a arte não se torna “pública” simplesmente em virtude de sua exposição e acessibilidade ao mundo. A publicidade tem conotações sociais e políticas que são intraduzíveis ao público. O termo “arte pública” se refere, convencionalmente, à família de condições que incluem a origem do objeto, a história, o lugar e o propósito social. Todas essas condições têm mudado seus significados em um mundo de evolução tecnológica, de secularização, de migração cultural e de reestruturação econômica. Ainda hoje as obras de arte pública têm laços conceituais com tais formas de arte tradicionais, como as catedrais medievais, o mural e templos em ruínas das civilizações antigas mexicanas e latino-americanas.3
Assim como muitas ideias sociais complexas, o conceito de arte pública tem sofrido mudanças radicais, e discussões públicas recentes, que se concentram em um episódio – um escândalo corrente ou uma decisão judicial – raramente revelam a pluralização e a polarização que tanto a arte quanto a noção de arte pública têm sofrido. As hipóteses culturais monolíticas implícitas na estatuária do fórum romano ou num tríptico de altar ou mesmo na estátua equestre típica das praças de cidades não são mais viáveis. A suposição de que uma forma visual, um hino ou um texto poderia expressar os mais profundos valores ou unir um grupo social de forma coerente tem se tornado uma relíquia da história romântica.4 Ao contrário, o conceito de um público tem sido tão problematizado que supostas obras de arte públicas demandam justificativas em termos de análises qualitativas, independentes entre si, de espaço público, de propriedade pública, de representação pública, de interesse público e de esfera pública. Raramente uma obra de arte satisfaz a todas essas dimensões. De fato, poucas obras se referem a ou incorporam todos esses aspectos de publicidade, e sua atenção seletiva a um ou mais deles – frequentemente escondendo conflitos – explica a desconcertante variedade de itens proferidos como arte pública.
O que, então, continua a transformar um objeto em uma obra de arte pública, se nem a origem coletiva, nem a coesão espiritual, nem a localização central ou mesmo a popularidade servem para determiná-lo? Uma definição cruelmente pragmática e restritiva de arte pública a iguala à arte instalada por agências públicas, em locais públicos e com gastos públicos.5 Mas isso é dificilmente suficiente para abranger a explosão de projetos não tradicionais que clamam neste momento para ser denominados de arte pública. Os dois casos discutidos neste simpósio por Horowitz e Kelly, embora anulados por exemplos mais recentes, embasam a discussão sobre a arte pública contemporânea. Tanto o Tilted Arc de Richard Serra, quanto o Memorial dos ex-combatentes do Vietnã de Maya Lin, foram produzidos por figuras do mundo da arte, cujos projetos foram selecionados, dentre outras candidaturas, por um comitê de jurados do mundo da arte; portanto, com a vantagem de uma Teoria Institucional de Arte, e ambos foram indiscutivelmente qualificados como obras de arte.6 A construção do Memorial dos ex-combatentes do Vietnã foi financiada exclusivamente por doações privadas (solicitadas pelos próprios ex-combatentes); apenas sua localização (pública) na Washington Mall exigiu a aprovação pelo Congresso. Sua localização e sua explícita missão de homenagear, entretanto, certamente garantiriam sua designação pública pelos padrões tradicionais. Ironicamente, a independência formal do memorial com relação ao governo é o que o protegeu das intervenções oficiais quando um grupo de oponentes fez a objeção de que a obra tinha um tom desrespeitoso e negativo.7 Tivesse sido financiado com recursos públicos, esse grupo talvez tivesse tido condições de intervir mais destrutivamente. No lugar disso, (também com recursos privados) a oposição conseguiu apenas a instalação de uma representação convencionalmente realista, inclusive com mastros de bandeiras nas adjacências.
O Tilted Arc foi financiado com recursos públicos e também situado em uma propriedade federal. Mas a petição de Serra para a proteção, de acordo a Primeira Emenda8, mesmo tendo o arco recebido uma iniciativa governamental, não impediu a sua destruição. Tanto sua construção quanto sua demolição foram presididas por decisões da administração federal [United States General Services Administration]. Embora a escultura pertencesse ao governo dos Estados Unidos e tivesse sido instalada em uma propriedade federal, o juiz que ordenou a sua remoção declarou ser a obra uma privatização do espaço público.9 Nem a localização em um espaço público, nem a concepção por uma agência estatal foram suficientes para o entendimento do objeto como arte pública pelo Juiz Pollack. Isso sozinho não teria garantido sua remoção, mas muitas críticas de dentro e de fora do mundo da arte concordaram com o juiz quanto à necessidade da remoção da escultura do seu local, mesmo que isso significasse sua destruição.10
A arte pública atualmente parece envolver questões mais abstratas e interpretações mais efêmeras de lugar, memória e significado. Espaço e tempo continuam a desempenhar um papel decisivo, mas, tal qual a maior parte das categorias filosóficas, seus significados têm se expandido de modo atenuado. Elas não se referem mais simplesmente a “onde” e “quando”, mas se tornaram indicadores simbólicos e relacionais, distantes daquelas coordenadas que antes bastavam para situar coisas. As obras de arte públicas atuais podem ser impermanentes e descontínuas, como as instalações de Suzanne Lacy. Elas podem subsistir apenas momentaneamente ou em múltiplas instanciações11, suspensas imaterialmente, como as projeções de Krzysztof Wodiczko. Elas podem ser anti-heroicamente não espetaculares, como as esculturas de vizinhança de John Ahearn ou como as paisagens locais de Sondquist. E elas podem ser concebidas exclusivamente sobre espaços mentais discretos, como algumas das exortações das Guerrilla Girls. Então, como isso tudo, portanto, se qualifica como arte pública?
2. Uma arte pública de significado
O Modernismo e sua estética formalista demandaram tanto um público despojado quanto uma arte minimalista privada. A especificidade do lugar [site-specificity] assumiu um significado espacial e arquitetônico em vez de um significado ocasional; e com a dispensa de um conteúdo, a arte pública se tornou primeiramente um objeto no espaço público e então um esculpir daquele espaço como sendo objetos bastante voláteis, deixando apenas relações em seu rastro. E, desde que as relações passaram a existir nos olhos de quem vê, o público (que antes também estava erradicado) se tornou um ingrediente necessário em uma obra de arte, tornando-a pública em um sentido novo e sem cerimônia. A arte pública se tornou vernacular, tendo a ver não com um espírito que se celebra enquanto se coletiviza, mas com o ordinário, com pessoas desmistificadas em locais ordinários e com eventos ordinários de suas vidas mundanas.12
Ao mesmo tempo em que se tornou mais abstrata, a arte pública também se tornou mais explicitamente comunitária. O público não mais se apresentava como observador passivo, mas como participante implicado ativamente na constituição da obra de arte. Efetivamente, a realização da obra depende de se conferir ao público a tarefa de dar sentido à obra, uma tarefa política e socialmente controversa. A integração do público à obra de arte é inerentemente política e é igualmente congênita tanto às ideologias conservadoras quanto às revolucionárias. A arte pública tem sido usada para aumentar o alcance da publicidade que promove e que se opõe a todas as políticas de persuasão. A arquitetura nazista, projetada por Albert Speer e maravilhosamente apresentada no filme de Leni Riefenstahl, Triumph of the Will, complementa o bon mot político de Joseph Goebbels: “O estadista é também um artista. As pessoas são, para ele, nem mais nem menos do que uma pedra é para o escultor”.13 O mesmo sentimento, dirigido para fins benignos, se almeja na obra de Vito Acconci, Siah Armajani, Beverly Pepper, Mierle Ukeles, e Christo, entre muitos outros que lutam para despertar e tocar a consciência social de um público passivo. Algumas vezes desesperados, outras exortatórios ou extasiantes, todos esses artistas concordam ao afirmar que o ser humano não é e não deve ser desvinculado do mundo social e natural. Hostis ou em harmonia, o mundo ressoa com a presença humana – incrustada nele – e não será negado.
Talvez, a grande instabilidade das interações social e estética e sua receptividade para múltiplas interpretações justifique a dificuldade que o público algumas vezes experimenta para “ler” obras públicas. Assim como Michael North mostra ao comparar o que ele chama de “populismo modesto” de Siah Armajani com o “puritanismo ermo” de Lauren Ewing: “As muitas técnicas que ela ou ele escolhem para representar o que é comum podem também representar a conformidade de sentido que [o/a artista] expõe”.14 É interessante que razões opostas possam ser dadas para juízos idênticos sobre a mesma obra, assim como obras diferentes podem ser julgadas como opostas tendo razões idênticas. Os casos discutidos por Horowitz e Kelly envolvem exatamente tais ambiguidades interpretativas. O Tilted Arc, declarado por seu autor como sendo de motivação política, foi condenado por numerosos críticos por causa de sua estética elitista; enquanto que o notoriamente apolítico Memorial dos ex-combatentes do Vietnã quase foi destruído por aqueles oponentes que o chamavam de subversivo “muro das lamentações para manifestantes contrários ao alistamento militar”. As duas obras são formalmente abstratas, com desenho minimalista, e ambas foram selecionadas por um júri do mundo da arte, supostamente apenas segundo seus méritos estéticos.
Os dois trabalhos professam uma “especificidade local” [site-specificity] que não é puramente espacial nem é comemorativa do local. Serra defende que a “especificidade local” do Tilted Arc estava determinada tanto pelas condições materiais e sociais, quanto pela exigência estética. Ele tinha a intenção de confrontar o público no campo comportamental “onde o observador interage com a escultura no seu contexto, [...] para engajar o público num diálogo que poderia melhorar sua relação com toda a praça, tanto perceptivamente quanto conceitualmente”. A escultura não poderia, de fato, interditar o movimento, mas poderia (e assim o fez) causar a sensação de bloqueio no observador. A experiência de opressão foi suficientemente real, mas Serra queria que essa sensação redirecionasse a atenção para sua efetiva fonte opressora dentro do mecanismo do poder estatal. Ele esperava que a escultura redefinisse o espaço por ela mesma; e assim se fez – até mesmo para além de suas expectativas. A cruzada pela remoção da escultura foi iniciada por um juiz federal e por funcionários do governo federal que protestaram contra a afronta causada pelo arco e a agressão que ele poderia inspirar, mas em seus testemunhos alguns revelaram uma sensibilidade mais profunda – uma consciência nascida e sufocada pela opressão advinda de outro lugar. Distante de desconsiderar os aspectos estéticos da obra, eles tinham lido tais aspectos, corretamente, como inseparáveis de valores mais profundos. O Tilted Arc evocava a pressão da coerção. Apenas a fonte daquele sentimento que não era bem-vindo é que estava ambígua.15
Nas suas análises para este simpósio, Horowitz e Kelly discordaram sobre o significado da “especificidade local”. Kelly mantem a opinião de que o Tilted Arc falha quanto a ser de “local específico”, no momento em que “o público” foi reduzido à abstração de “tráfego” e foi excluído da consulta relativa à seleção da escultura. Em outras palavras, a obra não habitava a esfera pública. Horowitz, por outro lado, alegava que a oposição ao Tilted Arc foi uma subversão cínica da sua ameaça deliberadamente alcançada, que converteu a doença estética que ela provocou em simples desconfiança frente à obra enquanto ameaça real. Em sua pesquisa sobre circulação, não obstante, Serra certamente quis interromper o espaço aberto da Federal Plaza, mas o diálogo político que surgiu a partir daí não teve o resultado que ele esperava.
Pode ser que, seja com pessoas seja com lugares, o diálogo nem sempre acabe bem. Se o objetivo da “arte de especificidade local” [site-specific art] (que, a propósito, não se estende à arte pública) é evocar uma “adequação crítica” ao lugar, isso pode acabar resultando em sua aceitação ou rejeição. A alternativa é chamar a atenção, por meio da obra, para um assunto que é evidenciado, mas que permanece sem solução.16
O Memorial dos ex-combatentes do Vietnã parece engajar seus visitantes em uma tal discussão crítica. Limitada pelas condições do concurso, Maya Lin ganhou por projetar algo que fosse contemplativo, harmônico com o seu lugar e arredores, e que não fizesse nenhuma afirmação sobre a guerra; ela produziu uma obra que evoca emoções profundas nos visitantes, quaisquer que sejam suas simpatias políticas.17 O Memorial dos ex-combatentes do Vietnã opera como arte pública tanto no sentido tradicional, na medida em que ocupa um espaço público e é a memória de um evento público, quanto no sentido corrente, no qual se questiona o significado daquele lugar e daquele evento e, com isso, provoca o público a um discurso inteligente sobre a obra. Ao fazer isso, a obra traz um aspecto adicional sobre a publicidade em questão, que ela é plural e polivalente, recordando que o fórum é um lugar de debate – e não apenas um local [site] para comunhão ou afirmação coletiva. Falando da obra de Lin (e Hans Haacke), Michael North diz:
Não é uma experiência pública do espaço, mas antes um debate público que se torna uma obra de arte. Eles tornam manifesta uma verdade importante sobre o espaço público: a menos que esteja incorporado em uma esfera pública maior que aprecie tal debate – uma esfera pública como a definida por Jürgen Habermas, na qual as pessoas privadas usam sua razão para discutir e para alcançar conclusões – ele [tal espaço público] irá sempre ser decorado por ornamentos relativos à massa, qualquer que seja o tipo de arte apresentada.18
Apesar de sua estética modernista não-representativa, Memorial dos ex-combatentes do Vietnã não é um “ornamento de massa”, nem é “niilista”.
Está claro que a localização e a acessibilidade são parâmetros falaciosos da publicidade. Obras de arte de grande porte são agora comumente encomendadas para lugares semi-públicos, tais como espaços universitários, de hospitais, de empreendimentos residenciais e de lobbies de bancos. O subsídio governamental exige diversas vezes a inclusão de obras de artes sob o pretexto da “porcentagem legal da arte”, e corporações privadas recebem vantagens sobre os impostos pela contribuição cultural que elas fazem na forma de embelezamento artístico. Porém, a mera presença de arte em espaços externos ou em um terminal rodoviário ou em uma recepção de hotel não a faz automaticamente ser pública – da mesma maneira que colocar um tigre em um celeiro não faz dele um animal doméstico. O objeto, a obra de arte ou o animal, não deriva sua identidade da característica do local onde é encontrado. Uma localização pública faz, no entanto, com que a obra de arte seja exposta para mais pessoas que de outro modo não a experimentariam, e, dependendo da extensão de seu alcance legal, faz com que a liberdade de expressão do artista ou dos artistas esteja mais ou menos protegida.19
Não mais do que sua localização o faz, a mera integração da arte na vida ordinária das pessoas falha em conceder a ela significado social e também não a torna pública. As colaborações que integram artistas com arquitetos e engenheiros no que tange o desenho da paisagem e o planejamento de escritórios ou residências frequentemente acaba no que tem sido chamado de “bugigangas corporativas”. Essas são públicas no sentido de estar inscritas em espaços não reservados habitualmente para experiências artísticas privadas; e são arte no sentido de sua função ser majoritariamente estética, mas nem satisfazem o critério tradicional da memorialidade da arte pública, nem engaja os cidadãos em qualquer interação com a esfera pública, mesmo que superficialmente, tanto social, quanto esteticamente.20
Deve-se lembrar que muitos lugares designados paradigmaticamente para observações estéticas privadas, como museus e galerias, são públicos, já que são abertos para qualquer um, apesar do preço impeditivo e cada vez mais alto das entradas. Ainda assim, mesmo que se tenha garantido o acesso universal aos seus conteúdos, os itens contidos nos museus não seriam arte pública. Apesar de os museus terem sido fundados para liberar os objetos do seu confinamento a tesouros particulares e para posicioná-los na esfera pública, declarando-os propriedade nacional, esses objetos foram “privatizados” e extraídos da esfera pública em virtude da intensa apropriação estética que os transformou em “peças de museus”.21
Ser arte de museu, com toda cobertura que isso implica, parece impedir que um objeto tenha o estatuto de arte pública; mas mesmo essa qualificação está se dissipando. Há um interesse crescente, neste momento, no meio dos museus privados e instituições de arte financiadas com recurso público, em exibir uma autoproclamada arte pública. As exibições são, de maneira geral, descritivas e conceituais, envolvendo registro verbal ou gráfico e documentação de eventos efêmeros que estão em algum outro lugar, que já foram realizados ou que não podem ser reproduzidos. A sua publicidade é uma questão de fé e de máquinas de xérox. Essas representações se tornam arte privada quando elas são montadas nos muros do Whitney Museum ou do Institute of Contemporary Art? A esfera pública perdeu seu direito a requisitá-las ou elas devem ser assimiladas ao santuário do universo privado?22
A presença ou a ausência de paredes, portas e colunas não mais separa o espaço privado do espaço público.23 De fato, o espaço por ele mesmo não mais se prende à materialidade; e, assim, qualquer que seja o deslocamento material que poderia ter marcado sua diferença, não se distingue mais o espaço privado do público. Significados ocupam espaços virtuais e o trânsito através deles é assunto apenas dos limites da fantasia. Na fantasia, como Horowitz sugere, um espaço pode representar a falta de poder ou a libertação, e um objeto ambíguo pode desafiar o poder ou dissolver um sonho. A exibição criativa de objetos e sua instalação para fruição estética se revelam como atos politicamente significativos. Isso não é menos verdadeiro para a arte nas suas infinitas possibilidades, nem para aquela determinada como privada nem para a arte pública aqui defendida. Ambas compartilham, enquanto arte, uma designação destinada a despolitizar o conceito. Ao declarar-se “pública”, a arte pública aponta para a inconveniência dessa caracterização e reivindica o estatuto político de toda arte.
Quem fala em nome do público? Existem muitos que se colocam nessa posição – juízes, oficiais do governo, corporações financeiras, cientistas sociais e críticos filósofos. Os artistas, apesar de seu conhecido estatuto não social, estão profundamente engajados na esfera pública tanto quanto aqueles cuja função cívica é uma obrigação por definição. Os artistas não têm uma visão privilegiada, mas têm um olhar treinado e a habilidade de falar em uma rica variedade de linguagens – verbal, visual, conceitual, sensorial, humorística, figurativa e racional. Algumas vezes e de alguma maneira eles rompem com a expectativa comum e levam as pessoas a se aventurarem em novas perspectivas. Isso não se deve a um salto orbital do privado para o público, mas, sim, ao fato de que sua expressão perspicaz inflama uma resposta. A arte pública não promete um entendimento público, não mais do que a arte privada garante a salvação privada, qualquer que seja. Nós nos voltamos aos artistas em momentos de angústia assim como anteriormente nos voltamos à religião e depois à ciência, em busca de esclarecimento público e de uma satisfação privada. Cada um incitou seus próprios problemas e nos deu alguma gratificação em resposta. Nós não devemos esperar consenso. Para citar a definição de Patricia Phillips da arte pública: “É uma arte que está absolutamente engajada com o mundo e esse engajamento frequentemente invoca o espírito da discórdia... O consenso absoluto não significa necessariamente um estado feliz”.24 Mas, talvez, seja um estado melhor do que aquele que leva à destruição mútua ou à negação mútua como sendo as únicas alternativas.
Voltando para meu dilema inicial, eu sugiro que seja a arte privada – não a pública – que evoque contradição. Exceder no mesmo erro da consagração estética é o erro político da negação da publicidade da arte como um lugar de múltiplos significados e de intercâmbio comunicativo. Mas a arte está fugindo de seu confinamento à sensibilidade privada. Ela está descendo para as ruas mais uma vez e exigindo seu lugar no domínio público.25